Lá vamos indo

Publico 2011-05-16  Miguel Esteves Cardoso

Há coisa de um mês, no dia em que desisti de ser bem-educado, no supermercado (por acaso) Continente de Lourel, uma empregada de caixa, quando chegou a minha vez e eu, com esforço, não disse "Boa tarde", porque nunca respondem ou respondem com o cepticismo justo de quem duvida que lhes esteja a desejar, com sinceridade, uma tarde feliz, disse-me enfaticamente, como quem repreende gentilmente: "Boa tarde..." Subtexto: "Então, velhote? Já não se diz nada? Somos todos autómatos ou quê?"
Eu, distraído e envergonhado por estar a ser corrigido, com razão, por uma pessoa muito mais nova do que eu, reagi como se continuasse nos anos 50: "Boa tarde! Como está?" Ela, com a condescendência generosa de quem já ganhou, respondeu ao velhote culposamente atrapalhado: "Eu estou bem, obrigada. E o senhor, como está?"
Que grande lição que esta rapariga me deu. Nunca mais fui mal-educado. Nem nunca mais perguntarei, a quem não conheço de parte nenhuma, "como está?". Se for caso disso, recorrerei, sem aperto de mão, ao antigo "passou bem?". Há que agradecer ser-se actualizado.
"Como está?" não se pergunta a ninguém. Até "como estás?" só se deve perguntar a quem se trata por tu.
Mais relevante do que a pergunta, hipócrita ou com um mínimo de preocupação e curiosidade que se faz, é a resposta que cada vez mais se vai recebendo: "Vai-se andando..."
Ir indo é sobreviver meramente. É a versão deprimentemente positiva do "podia ser pior" e "do mal, o menos".

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