É hoje
Público, 2011-05-10 Miguel Esteves Cardoso
Ocupar o presente - que é a única coisa que realmente temos - com o passado (a memória e o esquecimento) ou com o futuro (o medo, ansiedade, ambição, esperança, ignorância e esquecimento) é mesmo perder tempo. Lembrar ou antecipar é roubar presentes ao presente. Em vez de oferecer presentes ao presente - a começar por um simples obrigado por estar aqui, nem morto nem com vontade de morrer -, criamos-lhe dívidas, por não ser tão bom como certos passados ou incertos futuros que se imaginam.
A saudade funciona para trás e para a frente. O amanhismo é uma ilusão horrenda - pensar que tudo vai acabar bem, em vez de dar graças por aquilo que se tem. Acabamos todos mortos e o risco é perdermos o entretanto, pensando mais no nascimento, na vida e na morte do que no maravilhoso expediente de estarmos vivos e estúpidos de não sabermos nem querermos saber o que se segue.
Mas o ontemismo - "dantes é que era bom" - que afecta mais os portugueses, romenos e outros (poucos, graças a Deus, para bem deles), nostómanos, fetichistas da nostalgia, também suga muito contentamento ao prazer evidente do presente. De que doenças não padecemos? Quais são as catástrofes que, de momento, não nos ocorrem? Ainda estamos vivos? Ainda sabe bem queixarmo-nos?
É bom sinal. A terra prometida é o presente; é agora.
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