MoU: ondas de choque

PÚBLICO 2011-05-13 Luís Campos e Cunha O acordo com a troika - UE, BCE e FMI - foi o certificado internacional da nossa incompetência

Antes de mais quero avisar: vou citar-me: uma atitude pedante. Mas não resisto, apesar de considerar que o acordo internacional é (infelizmente) o melhor que nos poderia ter acontecido, neste momento.
Primeiro, o acordo - o MoU - com a troika - UE, BCE e FMI - foi o certificado internacional da nossa incompetência. Não nos soubemos governar, ou melhor, Sócrates levou-nos à bancarrota. Disse-o em tempo oportuno e repito-o.
Depois, como este Governo não nos soube governar, passámos a protectorado da troika. Ver o controlo sobre o Governo português previsto no acordo é penoso para qualquer português com o mínimo de brio nacional. Mas já não havia alternativa.
Como eu também já tinha dito e escrito, em terceiro lugar, quando o indígena se porta mal, uma dose de colonialismo é sempre bem-vinda: o MoU é um bom acto colonial. E foi bem-vindo, em particular pelos culpados da desgovernação, ou seja, por Sócrates, que até pode ganhar as eleições. Também já não havia alternativas, neste momento, ao protectorado.
Mas, em quarto lugar, tudo isto é uma vergonha internacional para qualquer português que leia a imprensa estrangeira. Por exemplo, (agora não me vou citar) Wolfgang Munchau colunista regular do Financial Times, dizia na segunda-feira passada "... mas a gestão da crise por Portugal tem sido, e continua a ser, estarrecedora. José Sócrates, primeiro-ministro, escolheu atrasar o pedido de um pacote de salvação financeira até ao último minuto. O seu anúncio na semana passada foi um momento trágico-cómico da crise. Com o País no limiar da extinção financeira, ele exultou na televisão nacional que tinha assegurado um acordo melhor que o dos irlandeses e dos gregos. Adicionalmente, ele reclamou que o acordo não causaria grande dor. Quando os detalhes emergiram uns dias mais tarde, podíamos ver que nada disto era verdade. O pacote contém cortes selvagens nas despesas, congela os salários da função pública e pensões, aumenta impostos e prevê uma profunda recessão por dois anos." E acrescenta ainda: "Não podemos governar uma união monetária com gente como o Sr. Sócrates..." Para vergonha nacional, chega.
Mas tudo isto era previsível há muito e, portanto, evitável. Em quinto lugar, vou citar o ministro das Finanças português a 9 Junho de 2005. Para não dizerem que são frases fora do contexto, sou forçado a fazer citações mais extensas. Foi aquando da apresentação do PEC 2005-09 (para cinco anos) na Assembleia da República.
"A sustentabilidade das finanças públicas apenas significa que o que o Estado gasta tem de ser pago e, em última instância, com impostos. Isto é verdade em qualquer país, em qualquer momento e em qualquer regime. Por isso, acabou o tempo das hesitações e dos truques contabilísticos. (...)
Quanto mais adiarmos a redução do défice, mais violenta e inevitável esta será. E estaríamos apenas a comprometer seriamente o futuro da economia e do Estado Social. (...)
Com este Programa [PEC 2005-09] conseguiremos: Ganhar a credibilidade hoje em dúvida e esta ganha-se mostrando a todos que temos coragem para iniciar desde já a redução do défice, não concentrando o esforço no final da legislatura.
Pelo contrário, o esforço de redução do défice deve ser centrado nos primeiros anos por três ordens de razões:
- porque os compromissos internacionais assim o exigem;
- porque as reformas estruturais do lado da despesa levam algum tempo a implementar e a produzir efeitos significativos;
- e porque é preciso travar a dinâmica insustentável da dívida pública. (...)
De facto, a dívida pública subiu de um mínimo de 53% do PIB em 2000 para um valor estimado de 67% em 2005.
Se nada fosse feito para travar este crescimento, os mercados financeiros exigiriam um prémio de risco crescente para financiarem a República, o que agravaria ainda mais a dívida e os juros pagos pelas famílias e pelas empresas portuguesas."
Resumindo, o então ministro -para quem não se lembre, era eu mesmo- avisou que adiar o ajustamento orçamental, como veio a acontecer, implicaria que o ajustamento seria necessariamente mais penoso; que o Estado social e a economia estariam em sério risco; que a sustentabilidade da dívida pública não seria assegurada e que os nossos credores iriam cobrar juros mais altos ao Estado e a todos nós. Se nada fosse feito. E foi muito pouco e a profecia confirmou-se.
O PEC 2005-09 não foi finalizado, pois logo em 2008 começou a festa orçamental e em 2009 e 2010 foi o colapso anunciado. Estamos a viver as consequências da dinâmica insustentável da dívida pública, que passou dos tais 67% do PIB para ultrapassar os 90%.
Neste contexto, o acordo - MoU - com a troika, dada a situação, é (infelizmente) o melhor que nos podia ter acontecido, porque toca muitas áreas da governação que, sem este choque externo, nunca seriam reformadas. Mas, obviamente, em três semanas apoiaram algumas opções que lhes venderam como milagreiras e confiam numa capacidade técnica da administração pública, que quase não existe. O exemplo da justiça é gritante: que os processos judiciais em atraso podem acabar em dois anos só eles é que podem acreditar, mas quem assinou, e se comprometeu com tal, devia saber mais e melhor. A não ser que não tenham intenção de cumprir. Não vai ser possível, pelo menos na justiça, nem que a vaca tussa. Contudo, acabaram as eólicas que estragaram a paisagem e encareceram a nossa electricidade, para citar um aspecto muito positivo. Globalmente estou mais optimista, mas também triste (e envergonhado). Professor universitári

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