Não tenhais medo!

Zita Seabra
JN 2011-05-01

O dia de hoje é de João Paulo II. Vai ser recordado de muitas formas, pelas muitas memórias que deixou nos quatro cantos do Mundo e, sobretudo, pelo que simboliza a força impressionante do seu exemplo na vida e na morte. Como padre, bispo e particularmente como Papa foi um homem que viveu e marcou de forma determinante o seu e nosso tempo.
Quando, em 1978, foi eleito um Papa polaco, o mundo comunista tremeu. Um Papa vindo do Leste, do coração do comunismo, foi de imediato entendido como um imenso problema pelos soviéticos e pelos comunistas de todo o Mundo, incluindo os portugueses.
Tinham razão. Karol Wojtyla, logo que foi eleito, quis iniciar o seu mandato com uma visita ao seu país natal, a Polónia, mas foi evidentemente proibido de o fazer pelo regime comunista polaco. A indignação na Polónia e no Mundo foi tal que o regime teve de acabar por ceder e ele visitou a Polónia entre 2 e 10 de Junho de 1979.
Chegou a Varsóvia e foi saudado por uma multidão nunca vista. Na Praça Vitória, mais de um milhão de polacos reunidos ouviram-no pedir que o continuassem a considerar polaco e a olhá-lo como se lá continuasse a viver. Disse mesmo: "Permiti-me que continue a sentir, a pensar, a ter esperança e a rezar, como se ainda fosse um cidadão deste Estado". O regime polaco entendeu a mensagem e, no fim do dia, a grande Cruz presente na Praça foi destruída e derrubada aos bocados no chão.
No seguimento da sua visita, surge o famoso movimento "Solidariedade", um movimento sindical de trabalhadores dos estaleiros navais "Lenine" em Gdansk, dirigido pelo seu amigo de sempre Lech Walesa. Este movimento lançou na Polónia a maior vaga de greves da história do movimento operário.
O regime comunista sentiu-se em perigo e a invasão militar soviética esteve iminente, com as fronteiras polacas cercadas durante o mês de Dezembro de 1980 pelas tropas soviéticas e dos restantes países do Pacto de Varsóvia.
A greve geral do Solidariedade paralisou completamente a Polónia e o movimento assumiu proporções nunca vistas em nenhum outro país. Contava na altura com 8 milhões de membros.
Perante a iminência do drama, o Ocidente, particularmente Ronald Reagan, Margaret Thatcher e Helmut Kohl, mobilizou-se para impedir a ocupação militar da Polónia. No centro do coração dos polacos estava o Papa João Paulo II, que nesse momento escreveu uma famosa carta a Brejnev apelando ao recuo das tropas. Na memória de todos estavam anteriores invasões da Polónia e particularmente o drama do massacre de Katyn pelos soviéticos, em Março de 1940.
Os soviéticos recuaram e organizaram um golpe de Estado na Polónia para garantir a repressão do movimento Solidariedade, dirigido pelo general polaco Jaruzelski. Em Janeiro, quando o general chegou ao poder, o Papa recebeu uma delegação do Solidariedade no Vaticano e chamou-lhe "movimento de compromisso para o bem moral da sociedade".
Em Março, dez milhões de polacos fazem uma nova greve geral de quatro horas no seguimento da repressão, com espancamento público dos líderes do movimento feitos pela polícia secreta polaca. Foi o maior movimento de protesto jamais havido num país comunista. Percebeu-se que um povo inteiro lutava pela liberdade política, religiosa e cívica, dirigido (imagine-se) pela classe operária polaca.
Nesse mesmo ano, a 13 de Maio, o Papa polaco é vítima de um atentado, alvejado a tiro, na Praça de São Pedro, em Roma.
Poucos anos depois, ironia do destino, foi o general Jaruzelski que fez a transição do poder comunista para o Solidariedade, para o amigo de João Paulo II, Lech Walesa.
Nessa inesquecível viagem à sua Polónia, a 7 de Junho, João Paulo II visitou igualmente o campo de extermínio nazi, Auschiwitz II, em Birkenau, o local tristemente emblemático do Holocausto, onde ocorreu o maior ou um dos maiores assassínios em massa, usando métodos industriais: as câmaras de gás. Como ele próprio disse, "era impossível eu não vir aqui como Papa". Ao local chamou "o Golgota do mundo moderno".
Nessa visita simbolizou toda a homenagem às vítimas no padre Kolbe, dentro da cela em que ele morreu, no bloco 11 frente ao muro dos fuzilamentos. Aí, falou do horror do local como "edificado no ódio e no desrespeito pelo homem em nome de uma ideologia louca" e "construído devido à negação da fé - fé em Deus e fé no homem".
João Paulo II, que viveu pessoalmente o horror do nazismo e do comunismo, filho de uma Polónia mártir e no centro dos maiores horrores que aconteceram na Europa e no Mundo ao longo do século XX, tinha de ser ouvido, quando na Praça Vitória repetiu as palavras que tinha dito no momento em que foi eleito Papa: "Não tenhais medo".

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