Rescaldo por lapso
Nota do editor: Também por lapso, o Povo enviou na sua mensagem diária o artigo “O Rescaldo” sob a autoria errada de João César das Neves. Assim que fui informado do engano retirei o artigo do blog, mas já não pude chamar de volta as mensagens onde ele seguiu. O Rescaldo saiu de novo na edição em papel e on-line do DN agora sob a sua correcta autoria. Quem quiser lê-lo para perceber melhor o que o autor deste outro Rescaldo por lapso quer dizer, pode consultá-lo aqui.
DN 20110207JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Na segunda-feira passada, por lapso do Diário de Notícias, foi publicado aqui em meu nome um artigo que eu não escrevi, "O Rescaldo". É a primeira vez que acontece em mais de 18 anos de colaboração. Sou totalmente alheio ao referido texto e não posso ser responsabilizado pelo que lá vinha escrito. Mas esse acaso recomenda que eu analise a situação política do momento, tema do apócrifo, para esclarecer os que assim ficaram enganados sobre a minha posição.
Nunca falei das presidenciais neste espaço por uma razão simples: sempre me pareceu que o assunto não existiu. Era evidente desde o princípio que o professor Cavaco Silva ia ganhar à vontade. Também é evidente para quem o conhece, ou seja, todo o País, que ele não mudará de posição no segundo mandato, seguindo o rumo e atitude que sempre teve, goste-se ou não. Por isso, apesar dos enormes esforços para criar emoções e dúvidas, as questões à volta do assunto foram ocas e espúrias. Agora os comentadores atropelam-se para dizer que a campanha e eleição não tiveram interesse, o que era patente há anos. No que toca aos outros candidatos, mesmo com alguns egos feridos ou exaltados, nada houve que importasse ao País, preocupado com coisas muito mais graves.
Aliás, o texto que me foi atribuído não tratava de presidenciais, usando-as como mero pretexto para insultar o Governo, o PS e a esquerda, em termos que nunca usei, nem usarei. Mas, temos de o dizer, são insultos hoje frequentes em blogs, cafés e conversas. Serão justificados?
O Partido Socialista está a passar por um dos momentos mais difíceis da sua longa história. O actual consulado conduz o partido por caminhos que o marcarão indelevelmente durante muito tempo. Um dia os historiadores determinarão até que ponto a desastrosa gestão do eng. José Sócrates se deve à esquerda e ao PS ou é da responsabilidade do pequeno grupo que domina o Executivo há seis anos. O que não há dúvida é que, culpado ou não, será o partido a sofrer as consequências. Como o País, ele é vítima da conjuntura.
É conveniente lembrar que o PS é um dos grandes movimentos da nossa democracia, a quem Portugal muito deve. A heróica defesa da liberdade, antes e depois da revolução, e a aposta irredutível na adesão à Europa são inestimáveis contributos históricos. É verdade que foi o PS, após 1995, que nos introduziu nesta derrocada financeira. Mas foram governos liderados pelo Partido Socialista a resolver as duas graves crises anteriores, onde nos tinham precipitado o PCP em 1975 e a AD em 1983.
Impulsionada por Guterres, a crise teve o seu paroxismo no mandato de Sócrates. Hoje, à medida que os ventos externos afastam as nuvens que o Governo criou sobre a real situação, começa a vislumbrar--se a paisagem desoladora de seis anos de expedientes, enganos e manipulações. Do plano tecnológico às parcerias público-privadas, da reforma da administração às soluções para a saúde, educação, energia e justiça, os apregoados sucessos revelam a sua vacuidade e o País compreende a inanidade das políticas, os vícios na estrutura, os custos escondidos e adiados. Portugal viveu um magno embuste.
Mas também é verdade que, em toda a grave situação, as questões pessoais são largamente empoladas. Um drama desta dimensão não se deve a dirigentes, mas a povos; não depende de decisões, mas da história. Os portugueses têm uma avassaladora tendência para fulanizar tudo. As presidenciais, como os insultos dos blogs e cafés, escondem os problemas reais atrás de uma cortina de intrigas, indivíduos, grupos.
A nossa crise, mais que aos erros de Sócrates e PS, deve-se à evolução da sociedade, à acomodação a uma prosperidade aparente, à captura do aparelho político por grupos de interesse. Em grande medida, o desastrado consulado de José Sócrates é consequência, mais que causa, da situação do País. Como disse Montesquieu, "Se César e Pompeu tivessem pensado como Catão, outros teriam pensado como César e Pompeu." Considérations sur les causes de la grandeur des romains et leur décadence (1734) cap. XI.
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