O empobrecimento ilícito

Pedro Afonso
Médico Psiquiatra
in  jornal Sol
04.02.2011

Corre na internet uma petição a favor da criminalização do enriquecimento ilícito dos titulares de cargos políticos. Não obstante o mérito da iniciativa, julgo que seria melhor que a petição fosse dirigida à criminalização do “empobrecimento ilícito” do país - devido à inépcia e incompetência dos governantes -, já que este causa maior dano à sociedade do que o enriquecimento individual.

Actualmente nenhum político se atreve a dizer que governará para nos tornar ricos. A ideia é manter-nos num estado de “pobreza controlada”. Com a habitual vocação sofística, fazem-se juras de justiça social. À cautela,  não vá dar-se o caso de o povo sair à rua, vai-se distribuindo uns subsídios mantendo os mais desfavorecidos anestesiados, num estado vegetativo, e dóceis para com o poder paternalista,  ainda que não passem do limiar da sobrevivência. Uma vez controlada a pobreza e reduzida as possibilidades de rebelião, alguns governantes criam espaço para a satisfação da sua família política e dos interesses partidários: distribuição de privilégios e de cargos de nomeação.

Como não é possível criminalizar todos os defeitos humanos, na actuação política, o mecanismo preventivo deverá residir na ética. Porém, nos últimos tempos, em lugar de se defender a restauração das virtudes públicas, alguns políticos, por razões de conveniência pessoal, têm defendido um subjectivismo ético. Ou seja, uma ética feita de plasticina que não serve para guiar objectivamente uma conduta, destinando-se apenas a resolver convenientemente alguns problemas de má consciência. Dito de outro modo, a ética na política transformou-se numa espécie de albergue espanhol; um local onde nós encontramos apenas aquilo que levamos.

Quando se desvalorizam critérios objectivos da conduta humana, muitas vezes em nome da liberdade individual,  promove-se a insanidade colectiva. Neste contexto, é natural que as coisas sejam colocadas ao contrário. E que se vá espalhando uma ideia falsa e perversa: a de que um cidadão só pode prosperar se meter as mãos nos bolsos do outro. É desta forma singela que se inicia o naufrágio moral de uma sociedade e se criam condições para a tirania.

Entre nós, esbatidas as diferenças ideológicas entre os dois principais partidos, verificamos que  o eleitorado tem apresentado ultimamente um estranha atracção por “políticos que acreditam em si mesmos”. E o país encheu-se de políticos cheios de autoconfiança, o que se tem revelado uma calamidade maior do que a dívida pública, já que estas personagens têm uma inclinação irresistível para aceitarem cargos políticos, não perdendo tempo a avaliar se realmente reúnem capacidades para a tarefa que lhes é solicitada. Se discutirmos com “um político que acredita em si mesmo”, o mais provável é sermos vencidos pela sua retórica. O seu raciocínio é rápido pelo facto de não se deixar deter pelos naturais constrangimentos que acompanham a verdade, o pudor, e a racionalidade. É esta soberba que vulgariza os homens e uniformiza a mediocridade.

Para se evitar o empobrecimento ilícito de um povo, os governantes têm que interiorizar um genuíno sentido ético do que é o serviço público. Esta é a única forma de sairmos da pobreza, uma vez que, e citando Chesterton, os romanos não amavam Roma por ser uma grande cidade; foi porque a amavam que Roma se tornou uma grande cidade.

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