O canto do cuco

Público 2011-02-19  Miguel Esteves Cardoso

O segundo programa da série Lost Worlds da BBC, em que David Attenborough é o narrador de maravilhas da vida que estamos prestes a perder, por culpa nossa, foi dedicado a Madagáscar, terra dos bichos, plantas e pedras mais interessantes da Terra. Pasmámos diante de uma galeria de personalidades animais. O nosso favorito é o Daubentonia madagascariensis, o tão-feioso-que-até-é-giro ai-ai. É o único lémur que não é lindo de morrer e tem unha fadista, de guitarra portuguesa.
Mas o que mais nos chocou foi haver lá um cuco - o Cuculus rochii - que tem o mesmo comportamento chupista que têm os cucos cá da terra para com os passarinhos que caem, estupidamente, com a estupidez que os comanda, na esparrela dos cucos portugueses.
Ao ver uma besta imensa a guinchar, para que passaritos dez vezes mais pequenos os venham alimentar com minhocas e gafanhotos, é impossível não pensar nas mães e nos pais humanos, que caem no mesmo erro e se tornam escravas ou mordomos dos filhos. A geração parva não é apenas escravizada pelas empresas onde trabalha sem ser paga como se trabalhasse - compensa essa escravatura com excessos não-pagos de maternalismos e paternalismos que não passam de mordomias.
Que pensa o passarinho que alimenta, obsessivamente, o cuco gigantesco? Pensa, ininteligentemente: "Que filho tão alto e bem constituído que tive! Faz cinco de mim! Que sorte que eu tenho! Que alegria é alimentar esta besta que, a bem ver, mal reconheço". Cuidado.

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