A próxima ceia
DN 2011-02-21 JOÃO CÉSAR DAS NEVES
O senhor primeiro-ministro eng. José Sócrates é uma personalidade lamentável. Tribuno hábil e táctico eficaz, o seu horizonte reduz-se sempre à imagem política e ao equilibrismo de forças. Para ele, o poder parece ser um cargo, não uma função, um ganho, não uma responsabilidade. Sacrifica invariavelmente o interesse nacional às manchetes dos semanários.
Devemos-lhe algumas decisões correctas e válidas, mas a atabalhoada gestão deste descalabro financeiro, que o marcará para a história, é apenas um aspecto final do vício original. Todo o consulado andou marcado por suspeitas, intimidações, escândalos, manipulações, negociatas. Agora já se vê bem a subida da pobreza, desemprego, injustiça, o ataque a contribuintes, Igreja, escola livre. As ilusões acabaram. Após seis anos de mandato é evidente a tacanhez de visão e os custos da estratégia míope.
Muito pior, apesar de menos visível, é a supina arrogância com que impôs os seus caprichos ideológicos, alterando com ligeireza as multisseculares leis da família e protecção da vida humana. Desrespeitando a legalidade e isenção democráticas, não teve a menor contemplação em alinhar repetidamente Portugal com as posições mais extremistas e aberrantes. Aqui a sua herança junta-se em infâmia às atrocidades da história.
Por isso foi com enorme surpresa que ouvi dizer que Jesus Cristo quer cear com José Sócrates. Não tenho a certeza da fiabilidade da informação, mas a simples possibilidade merece ser ponderada.
Do ponto de vista do primeiro--ministro (PM) não é difícil perceber o interesse. Receber Cristo à sua mesa em S. Bento é uma magnífica oportunidade política. Dá-lhe um palco mundial, conquista os cristãos, surpreende laicos, embaraça bispos, anula as repetidas queixas da Igreja. Ele explorará ao máximo o encontro.
E o outro lado? Por que razão pretende Cristo tão insólita conversa? Nunca devemos esquecer que Ele era conhecido por jantar com pecadores, prostitutas e publicanos. A razão, dizia, era que "não são os que têm saúde que precisam de médico, e sim os enfermos. Não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mt 9, 12-13; Mc 2, 17; Lc 5, 31-32). Os jornais, políticos e até nós cristãos temos muita dificuldade em compreender esta preferência de Jesus por aqueles que a sociedade condena. Custa-nos sempre a aceitar a predilecção pela ovelha perdida, a injustiça de haver "mais alegria no Céu por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão." (Lc 15, 7). Pensando bem, é às personalidades lamentáveis, como Sócrates (ou nós antes de O conhecermos) que Cristo vem falar.
O mais difícil nisto é o meu ponto de vista. Como reagiria eu perante tão insólito acontecimento? Que diria eu a Jesus, com quem falo tantas vezes em oração, ao saber do Seu propósito de cear com um dos Seus maiores inimigos actuais? Talvez tentasse convencer o Senhor de que Sócrates não é como Mateus ou Zaqueu, mas como Herodes Antipas.
Esse também ficou feliz quando Jesus lhe chegou manietado à sala de banquetes, mas apenas porque se queria aproveitar para seu divertimento. A Herodes Jesus nem lhe dirige a palavra. Essa, acho eu, seria a melhor atitude face a Sócrates. Mas que diria eu se Jesus insistisse no Seu propósito? Se, depois de toda a minha argumentação, Ele entrasse mesmo na resi- dência oficial, atravessando as chusmas de jornalistas que o oportunista PM não deixaria de convocar? Que faria eu se Cristo fosse mesmo entabular conversações com a lamentável criatura? Ficaria cá fora, remoendo os meus preconceitos junto com os fariseus, ou entraria no antro da hipocrisia, para comer com Jesus e os publicanos?
Esta é a questão decisiva da vida humana. Quando Cristo desafia as minhas certezas, eu fico com elas ou com Ele? Quando Sócrates encontra Jesus, abre-se à Sua Palavra ou fica nos seus interesses? "Dois amores fizeram as duas cidades: o amor de si até ao desprezo de Deus - a terrestre; o amor de Deus até ao desprezo de si - a celeste." (S. Agostinho A Cidade de Deus, livro XIV, cap. xxviii).
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