Presidenciais: Eppure, si muove...

Público, 2010-10-20 António Pinheiro Torres
A vinda à tona do centro-direita por si só abre um espaço identificável com consequências que só no tempo se verão

Parece hoje quase certo que não haverá uma candidatura alternativa na área do centro-direita e que apenas o actual Presidente se apresentará a votos a este vasto eleitorado. Muitos factos justificam que assim seja, mas o maior e mais decisivo de todos encontra a sua origem na crise que o país vive, das mais graves desde o 25 de Abril de 1974.

Engana-se, por isso, quem pense que o espaço vazio resulta da falta de alternativa ou que se possa passar ao lado do sector político, que, desta vez, não terá quem o represente.

Na verdade, a ferida aberta no campo do centro-direita permanece desde que exposta, ao vivo e a cores, na inexplicável decisão de promulgação da lei do casamento gay (que não funda, mas espoletou o descontentamento). O divórcio entre as lideranças do centro-direita e parte do seu eleitorado tem-se acentuado. Além disso, existe um grande desconforto com a responsabilidade objectiva do actual Presidente da República, que tem levado ao colo o Governo até este beco sem saída em que o país se encontra. Gera também grande perplexidade o caminho que temos levado na questão europeia, com uma desregulada perda de soberania, que ocorre sem a participação e consentimento dos portugueses. E por aí adiante.

Por outro lado, toda a discussão dos últimos meses a propósito da eventualidade de uma candidatura alternativa no centro-direita veio mostrar que este povo sabe o que quer, tem rostos em quem se reconhece e políticos que respeita e estima e em quem confiaria para o protagonismo de uma candidatura. A vinda à tona deste sector político por si só abre um espaço identificável com consequências que só no tempo se verão.

Desde a promulgação da lei do casamento gay, até hoje, não se tem testemunhado mudança de posição daqueles que estão resolvidos a não votar na 1.ª volta das presidenciais em Cavaco Silva. Esse facto opera-se pois com ou sem candidatura alternativa no centro-direita. É verdade que a ponderação da actual conjuntura de emergência pode fazer com que os resultados das próximas eleições presidenciais não permitam medir exactamente o descontentamento, Eppure, si muove ("no entanto, move-se"), como terá dito Galileu, depois de levado a retractar-se em 1633 da sua posição de que a terra se movia em torno do sol...

Uma nota mais "leve": Portugal é, de facto, um país em que ainda está vigente a cultura "do respeitinho" evidente na reacção autoritária dos donos do centro-direita (opinion makers e alguma, pouca, da camada dirigente dos partidos). Ou na cumplicidade dos sistemas de poder na comunicação social: em aproximadamente quatro meses, não há uma sondagem em que tenha sido perguntado qual o acolhimento a algumas das pessoas que foram indicadas como possíveis candidatos alternativos a Cavaco Silva... O que, reconheça-se, sendo preocupante, não é novo nem dramático.

Como em 1633, fica o alerta: Eppure si muove...
Ex-deputado do PSD (antoniopinheirotorres@gmail.com)

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