Sim, sejamos populistas

Público, 2010-10-19 Pedro Lomba

Em Portugal há uma palavra maldita e perseguida: populismo. Ser populista corresponde a ser-se radical, incendiário, manipulador da inocência do povo. O populista é um precipitado, um impaciente, talvez um jardinista. O populista não encaixa bem no reino da respeitabilidade partidária, das poses à esquerda e à direita, porque não cultiva as meias medidas, nem vê a política com pias intenções e generalidades. O populista quer ruído e vítimas e, em tempo de crise, quer ainda mais ruído e vítimas. O populismo é anti-institucionalista. Interessa-lhe provocar as pessoas (os que têm direito de queixa) contra os poderes e não os poderes contra as pessoas. O populista é romântico e deixa o sentido de Estado para quem tem sentido de Estado.

Digamos que a lei do populismo funciona mais ou menos da seguinte forma: na vida das sociedades é sempre certo que uns ganham mais do que outros. Até deve ser assim se têm mais talento ou se se esforçam mais. Mas já não é aceitável que o triunfo de uns aconteça por sistema sobre a falência imposta aos outros. E roça mesmo a indignidade que esse sucesso se deva apenas a uma questão de precedência e auto-defesa das oligarquias sociais, políticas e sindicais do regime. Todos usaram no seu interesse as regras que existiam; pior, apropriando-se ou condicionando de forma ilegítima o poder legislativo do Estado, foram eles que desenharam as regras que mais lhes convinham só para irem barrando o acesso de outros e consumindo recursos que o país não podia desperdiçar.

É aí que o populista precisa de intervir para deixar uma mensagem simples: agora que nas contas do próximo orçamento (ainda no papel), pagaremos uma enxurrada de impostos e contribuições que a hemorragia socialista deixou andar nos últimos 15 anos, diminuindo consideravelmente o nosso rendimento disponível e atirando-nos para uma agonia colectiva de que não há memória nesta democracia, não tenhamos medo das palavras. Sim, sejamos populistas. Há culpados e há lesados.

Se o Estado socialista dos últimos 15 anos "comprou" a aquiescência do povo com formas de menoridade e dependência, ao mesmo tempo que servia e tornava o Estado mais refém das grandes oligarquias económicas, numa promiscuidade de interesses de que o primeiro-ministro dos últimos cinco é hoje o principal emblema, sejamos populistas; se o Governo inclui no Orçamento uma verba de milhões, entretanto corrigida mas não eliminada, para uma empresa do grupo Mota-Engil, sejamos populistas; se prevê o aumento da factura da electricidade para financiar uma empresa cronicamente deficitária como a RTP, que já deveria ter sido pelo menos parcialmente privatizada e completamente reestruturada, sejamos populistas; e se entretanto passámos a saber que existem organismos como "a Comissão para a Optimização dos Recursos Educativos" e não sei que outros observatórios e estruturas de missão, nem uma tremura: é mesmo para ser populista.

O Estado português tem sido tão absurdo e injusto nos últimos 30 anos que nuns casos tratou toda a gente da mesma maneira (quantos anos demorou a entrar o contrato de trabalho na função pública?; noutros diferenciou sem razão aparente (este Orçamento vem extinguir os serviços sociais do Ministério da Justiça, como se houvesse motivo para este ministério ter serviços sociais diferentes do resto do Estado).

E V. que se limitou a fazer aquilo que lhe pediram, que trabalhou, descontou, foi despedido, foi empregado, que cumpriu a sua parte; V. que cumpriu os apelos ao sucesso do Ministério da Educação e hoje não encontra trabalho ou encontrou trabalho para ganhar 1000 euros até aos 50 anos; V. que não tem cartão partidário e não pode por isso militar numa das maravilhosas empresas públicas onde PS e PSD puseram os seus "companheiros", não perca tempo: sim, seja populista. Chega. Jurista

Comentários

Hermínia Nadais disse…
Chega!... Claro que chega!... Sejamos populistas!... Mas a nossa coerência, onde fica?
Que nos valha quem nos possa valer!

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António