O povo não está com o MFA
29 Outubro2010 | 11:54 Negócios on-line
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt
Para David Schnautz, Portugal é uma linha numa folha de cálculo.
Ontem de manhã, emprestou-nos dinheiro, comprando obrigações da República. Depois, foi surpreendido: afinal não há Orçamento - os juros dispararam. Schnautz sentiu-se enganado. E ironizou, ao Negócios: "Da próxima vez que participar num leilão de dívida de Portugal, é provável que queira cobrar um prémio de juro 'contra todos os riscos'...".
Portugal está nas mãos dos David Schnautzes. Este especialista em obrigações do Commerzbank, em Londres, representa "os mercados": os nossos credores. E nós, os aflitos, que imagem damos? A de um País em derrapagem orçamental alarmante, incapaz de se governar ou sequer de acordar mínimos olímpicos para um Orçamento do Estado. Este dia-sim-dia-não da aprovação do Orçamento é humor negro. Os Schnautzes de Londres podem dizer-nos o que Hamlet disse à mãe: "Inconstância, teu nome é Portugal".
A mãe de Hamlet, Rainha da Dinamarca, casou com o cunhado depois deste lhe matar o marido. O que se segue ao fractidício-regicídio é uma história de loucura e de alianças torpes. Também Portugal tarda em vingar os seus fantasmas, enquanto serve de entrada na Europa a ditadores. Recebemos ministros do Irão, vendemos bancos ao poder de angolanos, abrimos palácios a líbios, mendigamos dinheiro chinês, encomendamos fanfarras a venezuelanos para lhes vender pela segunda vez o que da primeira não nos pagaram. Isto não é "real politik", é carência e aflição. Tem de ser. O que custa é perceber como os mesmos que são tão fáceis para negócios exteriores se façam tão difíceis para acordos internos.
Os portugueses trabalham para pagar impostos e Portugal vive para pagar dívidas. Não estamos aqui para crescer, expandir, lucrar, investir; estamos a contrair, cortar, pagar, desendividar - estamos a destruir economia. Ou, nome técnico, estamos a entrar em recessão.
Quando José Sócrates e Passos Coelho saem de Portugal, como saíram ontem, ficam imediatamente lúcidos. "Os mercados", Angela Merkel e Durão Barroso não precisam de fazer mais do que levantar o sobreolho para fazer corar de vergonha quem insiste em ignorar os saltos do sismógrafo.
Chamar o FMI é uma rendição. Mas é, também, perdição. Porque os credores nunca estão interessados em salvar quem lhes deve dinheiro, mas em recuperar a dívida. Podemos vociferar contra a Alemanha e dizer que nos deram o euro para o gastarmos a comprar-lhes produtos, mas isso não serve de nada. Toda a política comercial externa da União foi concebida a pensar na Alemanha, foi daí que no passado surgiu a pressão da abertura à China, como é daí que surge hoje a pressão para que a China valorize a sua moeda e passe a comprar (e não apenas vender) produtos à Europa. Foi a Alemanha que nos vendeu os automóveis com que nos endividámos e os submarinos com que submergimos. Mas a cabeça é nossa. Para pensar ou para a perder. Que sirva de lição: é cada um por si e nós por nós.
Se Portugal persistir nesta balbúrdia política, teremos um FMI, não um MFA. E o FMI vem a pedido dos devedores com mandato dos credores. A proposta alemã de retirar o voto na União a países que peçam auxílio financeiro não vai passar, é apenas a debulhadora para abrir caminho à discussão. Mas mesmo sem esse radicalismo, vamos perder autonomia. Portugal não é uma empresa, é um País. Um país sem Hamlet, sem rainha, sem rei nem roque. "Há algo de podre no reino da Dinamarca."
Portugal está nas mãos dos David Schnautzes. Este especialista em obrigações do Commerzbank, em Londres, representa "os mercados": os nossos credores. E nós, os aflitos, que imagem damos? A de um País em derrapagem orçamental alarmante, incapaz de se governar ou sequer de acordar mínimos olímpicos para um Orçamento do Estado. Este dia-sim-dia-não da aprovação do Orçamento é humor negro. Os Schnautzes de Londres podem dizer-nos o que Hamlet disse à mãe: "Inconstância, teu nome é Portugal".
A mãe de Hamlet, Rainha da Dinamarca, casou com o cunhado depois deste lhe matar o marido. O que se segue ao fractidício-regicídio é uma história de loucura e de alianças torpes. Também Portugal tarda em vingar os seus fantasmas, enquanto serve de entrada na Europa a ditadores. Recebemos ministros do Irão, vendemos bancos ao poder de angolanos, abrimos palácios a líbios, mendigamos dinheiro chinês, encomendamos fanfarras a venezuelanos para lhes vender pela segunda vez o que da primeira não nos pagaram. Isto não é "real politik", é carência e aflição. Tem de ser. O que custa é perceber como os mesmos que são tão fáceis para negócios exteriores se façam tão difíceis para acordos internos.
Os portugueses trabalham para pagar impostos e Portugal vive para pagar dívidas. Não estamos aqui para crescer, expandir, lucrar, investir; estamos a contrair, cortar, pagar, desendividar - estamos a destruir economia. Ou, nome técnico, estamos a entrar em recessão.
Quando José Sócrates e Passos Coelho saem de Portugal, como saíram ontem, ficam imediatamente lúcidos. "Os mercados", Angela Merkel e Durão Barroso não precisam de fazer mais do que levantar o sobreolho para fazer corar de vergonha quem insiste em ignorar os saltos do sismógrafo.
Chamar o FMI é uma rendição. Mas é, também, perdição. Porque os credores nunca estão interessados em salvar quem lhes deve dinheiro, mas em recuperar a dívida. Podemos vociferar contra a Alemanha e dizer que nos deram o euro para o gastarmos a comprar-lhes produtos, mas isso não serve de nada. Toda a política comercial externa da União foi concebida a pensar na Alemanha, foi daí que no passado surgiu a pressão da abertura à China, como é daí que surge hoje a pressão para que a China valorize a sua moeda e passe a comprar (e não apenas vender) produtos à Europa. Foi a Alemanha que nos vendeu os automóveis com que nos endividámos e os submarinos com que submergimos. Mas a cabeça é nossa. Para pensar ou para a perder. Que sirva de lição: é cada um por si e nós por nós.
Se Portugal persistir nesta balbúrdia política, teremos um FMI, não um MFA. E o FMI vem a pedido dos devedores com mandato dos credores. A proposta alemã de retirar o voto na União a países que peçam auxílio financeiro não vai passar, é apenas a debulhadora para abrir caminho à discussão. Mas mesmo sem esse radicalismo, vamos perder autonomia. Portugal não é uma empresa, é um País. Um país sem Hamlet, sem rainha, sem rei nem roque. "Há algo de podre no reino da Dinamarca."
psg@negocios.pt
Comentários
?????
Numa Europa que já vive numa era pós democrática em que o querer dos povos já pouco importa, o que importa é o querer dos grandes deste mundo, acusar os outros de serem ditadores é como falar de corda em casa de enforcado...