A China joga xadrez global para comer peças e não só

DN 2010-10-18 LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Imagine um bispo a fazer xeque ao rei. Foi aquilo que aconteceu quando os australianos da BHP Billiton tentaram uma aquisição hostil da Potash, a empresa canadiana que é o gigante mundial dos fertilizantes. Bons conhecedores do xadrez - disputam com os indianos a invenção -, os chineses moveram de imediato uma peça importante, diga-se uma torre, e puseram a Sinochem a intrometer-se no negócio, avaliado em 39 mil milhões de dólares.
É que senhores de uma inegável visão estratégica, os governantes de Pequim olham cada vez mais para o mundo como um imenso tabuleiro, atentos à mínima jogada, antecipando todas as possíveis e imaginárias. A um país que tem 20% da população do planeta mas só 7% das terras aráveis nunca passará despercebido um negócio que mexa com fertilizantes. Pôr a Sinochem em movimento ainda por cima é fácil: não foi preciso convencer os accionistas, trata-se de uma empresa estatal.
A última grande fome na China aconteceu de 1958 a 1962 e causou entre 15 milhões e 40 milhões de mortes. Para um país cuja fundação remonta ao século II a.C., trata-se de um episódio da actualidade. E o regime chinês tem-no tão presente na memória quanto nessa época, sob a liderança de Mao Tsé-tung, já eram os comunistas que governavam. Ao que parece, Mao preferia jogar go, um jogo de estratégia tão antigo como o xadrez, mas isso não explica como um génio da guerrilha se tornou tão fraco a mexer os cordelinhos da governação. Bem mais competentes, os líderes chineses de hoje mexem com mestria todas as peças. Fizeram da economia a sua rainha e a cada sete/oito anos conseguem duplicar o nível de vida da população. Mas mesmo beneficiando de o jogo ser cada vez mais global não querem arriscar ficar dependentes do estrangeiro. Sobretudo para comer. Ainda há pouco, uma vaga de incêndios na Rússia, seguida de uma proibição oficial de exportação, privou os mercados internacionais de vários milhões de toneladas de cereais. Atento, o regime de Pequim não quer correr quaisquer riscos e usa todas as peças para construir uma espécie de nova muralha que proteja a sua prosperidade.
Hu Jintao, o Presidente chinês, recebeu no ano passado um tabuleiro de go das mãos de Barack Obama, numa visita do americano a Pequim, mas nem isso o desvia do essencial - manter os seus peões seguros, afinal representam 1300 milhões de pessoas. E se a fome de há 50 anos ainda não foi esquecida, o mesmo se passa com outros grandes acontecimentos da história chinesa. Um estudo da Academia de Ciências da China, publicado no Verão, estabelecia uma relação estreita entre o clima e as guerras nos últimos dois mil anos. Mas mais que o frio, aquilo que gerou sempre revoltas populares, insurreições armadas e quedas de dinastias foram as fomes derivadas dos péssimos anos agrícolas. Muitos imperadores pagaram caro não ter conseguido alimentar os seus súbditos. Hu, mesmo não sendo imperador nem rei, aprendeu há muito como se evita um xeque-mate. E se já existem no xadrez as aberturas inglesa e italiana, porque não inventar uma abertura canadiana?

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