OH JERUSALÉM!

Padre Gonçalo Portocarrero de Almada
A Voz da Verdade, 2010-10-17

Se estar orientado é, etimologicamente, posicionar-se em direcção ao nascer do sol e, em termos teológicos, voltar-se para a Terra Santa, poder-se-ia dizer que, durante os dias em que vai decorrer, em Roma, o sínodo sobre a presença cristã no Médio Oriente, toda a Igreja deverá estar especialmente «orientada» para os seus trabalhos, mas também para a oração e para o sacrifício pela terra que, para além de santa, é a pátria mártir de muitos cristãos.
Por uma feliz coincidência, que me atreveria a considerar providencial, tive o privilégio de acompanhar uma memorável peregrinação da lugar-tenência de Portugal da Ordem pontifícia do Santo Sepulcro de Jerusalém que, de 2 a 9 de Outubro deste mês, percorreu, com devoção e emoção, os lugares santos. Mais de oitenta portugueses, alguns dos quais já cavaleiros e damas desta Ordem de Cavalaria, foram em romagem ao Santo Sepulcro, onde ocorreu a investidura de novos membros pelo Patriarca latino de Jerusalém, que é também, por inerência, Grão-Prior desta ordem papal, que tem no Cardeal John Foley o seu Grão-Mestre. Há mais de oitocentos anos que um acto desta natureza não ocorria naquele tão sagrado templo, pelo que não será exagerado considerar histórica a referida peregrinação. Razão que explica que o Papa Bento XVI e também o Senhor Cardeal Patriarca, Grão-Prior da Ordem em Portugal, tenham concedido a sua especial bênção a este numeroso grupo de peregrinos portugueses.
No espaço breve de uma crónica não cabe a profunda impressão que, estou certo, perdura em todos os que tiveram a graça de viver dias inesquecíveis na terra que, por ser a de Nosso Senhor, é santa. Mas é também, de certo modo, a pátria de todos os cristãos. Com efeito, ser cristão não é apenas ser de Cristo mas outro Cristo e, até, o próprio Cristo, segundo a eclesiologia paulina. Por isso, qualquer cristão tem, por força da sua fé, uma segunda nacionalidade, que o faz filho espiritual da Terra Santa.
São Lucas, ao narrar a entrada de Nosso Senhor em Jerusalém, já nas vésperas da sua Paixão e Morte, afirma que alguns fariseus, indignados pelo acolhimento triunfal então dispensado ao Mestre, pediram-Lhe que repreendesse os Seus discípulos, ao que Jesus retorquiu: «Em verdade vos digo que se eles se calarem, gritarão as pedras» (Lc 19, 40). E a verdade é que, ainda hoje, quanto mais os homens calam a mensagem de Jesus Cristo, mais as pedras de Jerusalém gritam a Boa Nova de Nosso Senhor.
São pedras que evocam dois mil anos de ininterrupta e atribulada tradição cristã. São pedras que foram testemunhas do martírio de Estêvão, perpetrado às portas da cidade santa de Jerusalém. São pedras que ouviram as rezas e os lamentos de Maria e das santas mulheres, quando se cruzaram com o Senhor a caminho do Calvário. São pedras que foram regadas pelo preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor. São pedras que, no seu eloquente silêncio, fazem eco à mudez de Cristo padecente. Pedras que foram e são o altar sobre o qual o Filho do Homem se imola pela salvação do mundo.
 São pedras que alicerçam a nossa fé cristã. Pedras que falam da esperança da conversão de Israel e do mundo inteiro. Pedras que denunciam o escândalo da desunião dos cristãos e de todas as injustiças e guerras. Pedras que exigem a reconciliação dos filhos desavindos da Terra Santa. Pedras que gritam o amor de Deus, que «não enviou o Seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3, 17).
Jesus, «ao ver a cidade [de Jerusalém], chorou sobre ela e disse: ‘Se ao menos hoje conhecesses o dia que te pode dar a paz! […]. Dias virão em que os teus inimigos […] não deixarão em ti pedra sobre pedra, por não teres reconhecido o dia em que foste visitada’» (Lc 19, 41-44).    
É chegada a hora de rezar, sofrer, trabalhar e socorrer a Terra Santa, pedindo a Deus pelo sínodo romano e apoiando a Igreja que reza e sofre na nossa pátria hierosolimitana. Uma breve oração, um pequeno sacrifício, uma esmola, mesmo que escassa como a da pobre viúva, é uma lágrima a menos na face de Cristo vivo na Igreja da Sua terra e uma pedra viva na reconstrução da Jerusalém celestial.

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