Incêndios: a trágica novidade
JOSÉ MARIA DUQUE 17.10.2017
O problema dos incêndios em Portugal é antigo e "resiliente". Infelizmente parece não haver maneira de alterar o estado das coisas: basta um ano mais quente e a floresta já ter recuperado do último grande incêndio para termos o nosso país a arder de um ponta à outra.
Por isso o problema com os incêndios deste ano não são os incêndios em si. Infelizmente este governo é apenas mais um a juntar à lista de governos que até agora foram incapazes de arranjar uma forma eficiente de: 1. evitar os incêndios; 2., combatê-los de maneira eficaz (não posso porém deixar de reparar que o Pinhal de Leiria sobreviveu a quatro dinastias, a duas repúblicas, ás guerras fernandina, à revolução de 1483-85, aos descobrimentos, à dominação espanhola, ao terramoto, às invasões francesas, à guerra entre miguelistas e liberais, à revolução republicana, ao Estado Novo, ao PREC, a 40 anos de democracia, só não sobreviveu ao governo de António Costa).
Já tivemos em anos recentes grandes incêndios. Este ano poderá até bater recordes mas a imensidão de área ardida não é, infelizmente, uma novidade. Sobre o assunto nenhum governo fez nada. Por isso não vale a pena culpar este governo pelos incêndio ou ter ilusões de que daqui para a frente a questão dos incêndio irá melhorar.
Mas este ano houve uma novidade. Uma trágica novidade: mais de 100 mortos. Nas últimas décadas Portugal sempre teve fogos, mas nunca teve um número tão elevado de mortos. O ano mais mortal foi 1966, quando morreram 25 militares que estavam a ajudar no combate aos incêndios.
Mais ainda, regra geral os mortos eram aqueles que andavam a combater os incêndios e que por azar ou temeridade foram apanhados pelo fogo. Heróis que se puseram na linha da frente para salvar o país e que infelizmente não sobreviveram. Este ano a esmagadora maioria dos mortos foram civis. Pessoas que morreram nas suas camas apanhadas pelo fogo, pessoas que tentavam salvar as suas posses, pessoas que esperavam em casa por ajuda, pessoas apanhadas nos seus carros a tentar fugir das chamas. Tudo isto sem que nenhuma autoridade fosse capaz de os socorrer.
Impressionou-me sobretudo a história da senhora de 25 anos, grávida, que fugia em contra mão na auto-estrada. Uma mãe que se vê na escolha impossível entre ir na direcção das chamas ou fugir em contra mão, sem ter um polícia, um bombeiro, um membro da protecção civil que a ajudasse!
E a este nível o Estado nunca tinha falhado desta maneira. E agora falhou. Estas pessoas morreram porque o Estado foi incapaz de as socorrer. E destes 100 mortos este governo não se pode desresponsabilizar.
Algo correu muito mal este ano. Não porque ardeu mais, mas porque morreram muito mais pessoas do que alguma vez tinham morrido nos incêndios. Porque os portugueses, que sabiam não poder confiar no Estado para salvar os seus bens do fogo, deixaram de poder confiar no Estado para salvar as próprias vidas. Idosos morreram na cama, bebés morreram ao colo dos pais. Não por falta de resiliência (só mesmo um idiota podia falar de falta de resiliência dos portugueses diante dos incêndios) mas porque o Estado falhou no mais básico dos seus deveres: garantir a vida dos portugueses.
Por isso a demissão não é um questão do mais fácil ou difícil. É um questão de vergonha na cara, de assumir responsabilidades. É enjoativo ver como nenhum membro do governo é capaz de assumir que o Estado falhou. Ainda ninguém pediu desculpas ao país pelos 100 mortos nos incêndios.
Fogos sempre houve e continuará a haver. O que nunca houve foi tantos mortos e tanta falta de dignidade por parte de quem tem o dever de nos governar.
http://nosospoucos.blogspot.pt/2017/10/incendios-tragica-novidade.html
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