INÊS TEOTÓNIO PEREIRA DN 21.10.2017
Não consegui ver a entrevista de Nádia Piazza. Nada me custa mais do que ver mães a sofrer; não há sofrimento maior, acredito. Ela, Nádia, tinha um filho que morreu vítima da tragédia de Pedrógão ao colo do pai que também morreu, contou-lhe quem lhe deu a notícia da tragédia. Foi esta a parangona que li da entrevista que Nádia deu a Vítor Gonçalves e que passei a noite a evitar por fraqueza. Mas vi um vídeo, vários até, de pessoas a atravessarem autoestradas ladeadas por chamas no meio do fumo, ouvi a aflição de cada uma delas dentro dos carros que ferveram em segundos e ouvi quando decidiram não parar porque sabiam desde Pedrógão que pode ser assim que se morre. Ouvi a aflição dos bombeiros a pedirem reforços e a aflição dos que repetiam "negativo". Negativo é mais forte do que não, pensei, é lapidar, desesperante. Mas quando as lágrimas finalmente me saltaram foi quando vi uma senhora, velhinha, em pranto, a atirar-se para dentro do abraço de Marcelo e ali ficar: precipitou-se de mãos ao alto em direção ao presidente, gritou e encolheu-se no peito dele. Marcelo foi o último reduto daquela senhora e aquela confiança, aquela procura de refúgio num abraço, foi avassaladora. Depois li o texto de alguém que relatava a sua chegada a uma aldeia dois dias depois da tragédia de domingo onde encontrou pessoas abandonadas entre escombros com ferimentos de queimaduras e desesperadas por água. Por água. Fui lendo relatos chocantes de jornalistas, de sobreviventes, de testemunhas. O olhar sempre vazio, triste e cansado sem tentarem imaginar o futuro. Imaginei que podia ser eu naquela autoestrada com os meus filhos atrás: qual teria sido a minha decisão? Imaginei como seria estar dois dias isolada, com sede, e com queimaduras no corpo. Pensei porque é que o mundo não parou para podermos cuidar de todas estas pessoas. Só um bocadinho.
Voltando a Nádia. Nádia diz que nasceu uma nova mulher que ela não sabia existir antes da morte do filho - é sempre assim, dizem: morremos quando morre um filho e renascemos outra pessoa. Uma mulher que quer liderar a defesa às vítimas dos fogos, quer repor tudo o que possa ser reposto, quer justiça, quer reconhecimento de responsabilidades, quer pedidos de desculpa, quer garantir que não se volta a repetir, quer endireitar os escombros. Diz ela que foi branda com o governo da primeira vez. Fomos todos. Sim, fomos todos, que demorámos este tempo todo para censurar um governo plenamente incompetente em evitar a morte de tantos. Aproveitamento político, meus amigos, é fingir confiar em quem nos falhou.
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