O Extremistão
Miguel Monjardino, Expresso, 080607
miguelmonjardino@gmail.com
Violência, alta dos alimentos e do petróleo e a falta de água justificam o extremismo de hoje
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Algo de importante parece ter acontecido na política internacional nas últimas semanas. No ar está a forte sensação de que entrámos um bocado aos trambolhões numa nova era das relações internacionais. Durante algum tempo tive dificuldade em arranjar uma expressão que descrevesse o que a maioria das pessoas pensa, diz e escreve sobre uma série de acontecimentos nos últimos tempos. A cimeira da Agência da ONU para a Agricultura e Alimentação, que se realizou em Roma, esta semana, ajudou-me bastante a perceber o que se está a passar. O encontro gerou uma apreciável quantidade de artigos, colunas e comentários que me levaram a concluir que um enorme número de pessoas acredita que entrámos na era do ‘Extremistão’. A expressão pertence a Nassim Nicholas Taleb, autor de um livro fascinante, ‘The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable’ (Londres: Allen Lane, 2007).
A sensação de que estamos na era do Extremistão assenta em quatro ideias. A primeira é que vivemos num tempo extremamente violento. O terrorismo parece estar em todo o lado, as guerras pelo futuro do Iraque e do Afeganistão continuam ferozmente, a violência no Darfur não pára, apesar de tudo o que a ONU tem dito e pedido. Para complicar ainda mais as coisas, as alterações climáticas que aí vêm darão origem a mais guerras, aumentarão o número de estados-falhados e estarão na origem de grandes migrações em direcção aos países mais ricos. A maior parte das pessoas vê e lê sobre isto e conclui que, comparado com outras épocas, vivemos tempos muito perigosos.
A segunda ideia tem a ver com o actual choque petrolífero. O aumento brutal do preço do barril de petróleo está a ter um impacto muito claro na vida diária das pessoas. Este aumento está associado ao enorme crescimento da procura na Ásia, à dificuldade no acesso aos recursos petrolíferos que têm vindo a ser descobertos a grande profundidade ou em regiões com climas severos e, finalmente, ao disparar dos custos de exploração dos novos campos de petróleo. A ideia de que já atingimos um ‘pico’ do petróleo e de que não será possível aumentar a produção nas próximas décadas agravará ainda mais as consequências do actual choque petrolífero.
O aumento dos preços dos bens alimentares é a terceira ideia do Extremistão. Qualquer pessoa que tenha feito compras nos últimos meses está penosamente consciente destes aumentos e das suas consequências para os orçamentos das pessoas ou famílias mais pobres. Estes aumentos são explicados pelo aumento da população mundial, pelo crescimento das classes médias com maior poder de compra em países que durante décadas só produziram ideias políticas lunáticas e pobreza em larga escala e pela diminuição da produção agrícola em imensos países.
A quarta ideia está associada à água. As alterações climáticas vão ‘africanizar’ vastas áreas no sul da Europa nas próximas décadas. O resultado serão longas secas. A urbanização da maior parte das sociedades e a industrialização fora da Europa e dos EUA tem vindo a aumentar as necessidades de acesso à água. A produção de biocombustíveis também se tem revelado muito exigente em termos de água. No Extremistão este recurso natural será cada vez mais visto como o petróleo das próximas décadas. As disputas pelo controlo e acesso a esta água serão cada vez maiores.
O que é que une estas quatro ideias tão difundidas hoje em dia? Duas coisas, acima de tudo. A primeira é a ideia da escassez. No coração do Extremistão está a terrível sensação de que a idade da abundância em que vivemos nas últimas décadas chegou ao fim e que daqui para a frente não haverá recursos energéticos e bens alimentares para toda a gente. O Extremistão será uma época de profundas desigualdades ao nível interno e externo. A segunda é a ideia de que vêm aí as guerras pelos recursos.
Será que isto faz mesmo sentido? Confesso que tenho as maiores dúvidas. Se olharmos com atenção para a história vemos uma coisa surpreendente - vivemos numa época bastante pacífica. O aumento da riqueza em termos mundiais tem sido enorme. A redução da pobreza global é ignorada mas é real - perguntem aos chineses, indianos, russos e brasileiros! A interdependência internacional nunca foi tão grande como agora. Os preços elevados dos recursos energéticos e dos bens alimentares são um problema mas também não deixarão de ser um poderoso incentivo à criação de uma verdadeira revolução verde nas próximas décadas. No que toca às famosas e temidas guerras por recursos escassos, a história regista muito poucas. A complexidade do mundo em que vivemos é real e exigirá cada vez mais dos governos, burocracias nacionais e internacionais, empresas, famílias e indivíduos. Dito isto, o Extremistão é uma miragem. O problema é que é as miragens têm normalmente más consequências.
miguelmonjardino@gmail.com
Violência, alta dos alimentos e do petróleo e a falta de água justificam o extremismo de hoje
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Algo de importante parece ter acontecido na política internacional nas últimas semanas. No ar está a forte sensação de que entrámos um bocado aos trambolhões numa nova era das relações internacionais. Durante algum tempo tive dificuldade em arranjar uma expressão que descrevesse o que a maioria das pessoas pensa, diz e escreve sobre uma série de acontecimentos nos últimos tempos. A cimeira da Agência da ONU para a Agricultura e Alimentação, que se realizou em Roma, esta semana, ajudou-me bastante a perceber o que se está a passar. O encontro gerou uma apreciável quantidade de artigos, colunas e comentários que me levaram a concluir que um enorme número de pessoas acredita que entrámos na era do ‘Extremistão’. A expressão pertence a Nassim Nicholas Taleb, autor de um livro fascinante, ‘The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable’ (Londres: Allen Lane, 2007).
A sensação de que estamos na era do Extremistão assenta em quatro ideias. A primeira é que vivemos num tempo extremamente violento. O terrorismo parece estar em todo o lado, as guerras pelo futuro do Iraque e do Afeganistão continuam ferozmente, a violência no Darfur não pára, apesar de tudo o que a ONU tem dito e pedido. Para complicar ainda mais as coisas, as alterações climáticas que aí vêm darão origem a mais guerras, aumentarão o número de estados-falhados e estarão na origem de grandes migrações em direcção aos países mais ricos. A maior parte das pessoas vê e lê sobre isto e conclui que, comparado com outras épocas, vivemos tempos muito perigosos.
A segunda ideia tem a ver com o actual choque petrolífero. O aumento brutal do preço do barril de petróleo está a ter um impacto muito claro na vida diária das pessoas. Este aumento está associado ao enorme crescimento da procura na Ásia, à dificuldade no acesso aos recursos petrolíferos que têm vindo a ser descobertos a grande profundidade ou em regiões com climas severos e, finalmente, ao disparar dos custos de exploração dos novos campos de petróleo. A ideia de que já atingimos um ‘pico’ do petróleo e de que não será possível aumentar a produção nas próximas décadas agravará ainda mais as consequências do actual choque petrolífero.
O aumento dos preços dos bens alimentares é a terceira ideia do Extremistão. Qualquer pessoa que tenha feito compras nos últimos meses está penosamente consciente destes aumentos e das suas consequências para os orçamentos das pessoas ou famílias mais pobres. Estes aumentos são explicados pelo aumento da população mundial, pelo crescimento das classes médias com maior poder de compra em países que durante décadas só produziram ideias políticas lunáticas e pobreza em larga escala e pela diminuição da produção agrícola em imensos países.
A quarta ideia está associada à água. As alterações climáticas vão ‘africanizar’ vastas áreas no sul da Europa nas próximas décadas. O resultado serão longas secas. A urbanização da maior parte das sociedades e a industrialização fora da Europa e dos EUA tem vindo a aumentar as necessidades de acesso à água. A produção de biocombustíveis também se tem revelado muito exigente em termos de água. No Extremistão este recurso natural será cada vez mais visto como o petróleo das próximas décadas. As disputas pelo controlo e acesso a esta água serão cada vez maiores.
O que é que une estas quatro ideias tão difundidas hoje em dia? Duas coisas, acima de tudo. A primeira é a ideia da escassez. No coração do Extremistão está a terrível sensação de que a idade da abundância em que vivemos nas últimas décadas chegou ao fim e que daqui para a frente não haverá recursos energéticos e bens alimentares para toda a gente. O Extremistão será uma época de profundas desigualdades ao nível interno e externo. A segunda é a ideia de que vêm aí as guerras pelos recursos.
Será que isto faz mesmo sentido? Confesso que tenho as maiores dúvidas. Se olharmos com atenção para a história vemos uma coisa surpreendente - vivemos numa época bastante pacífica. O aumento da riqueza em termos mundiais tem sido enorme. A redução da pobreza global é ignorada mas é real - perguntem aos chineses, indianos, russos e brasileiros! A interdependência internacional nunca foi tão grande como agora. Os preços elevados dos recursos energéticos e dos bens alimentares são um problema mas também não deixarão de ser um poderoso incentivo à criação de uma verdadeira revolução verde nas próximas décadas. No que toca às famosas e temidas guerras por recursos escassos, a história regista muito poucas. A complexidade do mundo em que vivemos é real e exigirá cada vez mais dos governos, burocracias nacionais e internacionais, empresas, famílias e indivíduos. Dito isto, o Extremistão é uma miragem. O problema é que é as miragens têm normalmente más consequências.
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