A fome na abundância

RR on-line, 080604
Graça Franco


Se o Homem tem capacidade para alimentar toda a população mundial, por que é que não consegue? Muito provavelmente porque falha nas expectativas.

E se, de repente, meio mundo com fome passar a comer? Excelente!

Foi isso que pensámos. Foi isso que dissemos. Até ser verdade.

Quando finalmente aconteceu, percebemos que só tínhamos previsto metade das consequências.

Se, por absurdo, os chineses duplicarem o respectivo consumo de carne, continuarão a consumir cerca de 30 por cento menos do que um americano, mas isso significará que, no mundo, surgirão compradores para mais 60 milhões de toneladas de “bifes por ano”.

Isso significa criar mais 240 milhões de vacas, 600 milhões de porcos ou mais simplesmente 24 mil milhões de galinhas, lembrava o jornal britânico The Guardian.

E para alimentar a dita bicharada precisaremos de quê?

De 50 mil milhões de novas rações para galinhas ou quase 200 mil milhões de quilos de ração para bovinos.

Para o conseguir, resta produzir muito mais cereais do que estamos a fazer ou desviar do consumo de humanos uma boa parte do stok produzido.

Resultado: enquanto uns começam finalmente a poder comer carne e leite, outros deixam de se poder alimentar a pão e água.

Não chega a terra para que todos comam? Tinha razão Malthus para nos alertar para o risco da sobrepovoação do planeta? Falso.

Que se passa então? Temos terra, temos tecnologias, temos meios para conseguir alimentar toda a humanidade na abundância. Porque não o fazemos?

Simplesmente porque todos esperamos demasiado do mercado e esquecemos que o livre comércio não dispensa nem a regulação nem o valor da compaixão.


Graça Franco


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