António Lopes Ribeiro - 100 anos

António Lopes Ribeiro (1908-1995)

António Lopes Ribeiro começou por dedicar-se ao jornalismo nos anos 20, cedo desenvolvendo uma intensa actividade de crítico de cinema no Diário de Lisboa. A página "Arte Cinematográfica / o claro-escuro animado", que assinava com as iniciais A.R. e o pseudónimo Retardador, foi publicada pela primeira vez a 12 de Julho de 1927 e terá sido, em todo o mundo, a primeira dedicada exclusivamente ao cinema a surgir num jornal diário.

Estreia-se como realizador com Bailando ao Sol (1928), que poderia definir-se como um filme coreográfico, em que alunas duma escola de bailado representavam, do ponto de vista estético, a mulher do séc. XX. Perfilhando muitos dos pontos de vista de Leitão de Barros sobre cinema, escreve juntamente com ele o argumento de Maria do Mar, obra ímpar da cinematografia nacional que só estrearia em 1930. Ainda em 1928 funda, com Chianca de Garcia, a revista "Imagem", a primeira de três publicações sobre cinema que dirige — as outras foram "Kino" (1930) e "Animatógrafo" (1933) — e em todas, entre outros aspectos, fez a apologia do cinema sonoro, que em Portugal, tal como um pouco por todo o mundo, foi recebido por alguns com cepticismo.

António Lopes Ribeiro procurou sempre, sobretudo nos primeiros anos da sua actividade fílmica, estar a par do que de mais moderno se fazia em cinema. Em 1929, após realizar Um Batida em Malpique sobre uma caçada às lebres na coutada da família Infante da Câmara, partiu para Moscovo, visitando estúdios e documentando-se sobre técnicas de cinema, inclusivamente de propaganda. Regressado a Portugal dirige ainda nesse ano a parte passada em Lisboa, com actores portugueses, do filme alemão A Menina Endiabrada.

Os anos 30 trariam a Portugal muitos naturais da Alemanha, fugidos à crescente influência política do nazismo. Entre eles, encontra-se um número considerável de técnicos de cinema e até de actores. A indústria cinematográfica portuguesa é quase inexistente quando comparada com a alemã, mas António Lopes Ribeiro será um bom contacto para poderem prosseguir as suas actividades em Portugal. Para os (ainda poucos) profissionais de cinema português a oportunidade de trabalharem com artistas e técnicos vindos duma das mais prestigiadas cinematografias mundiais era também valiosa. Em 1934, com a supervisão de Max Nosseck, António Lopes Ribeiro realiza Gado Bravo, em cujo genérico se encontra um significativo número de nomes germânicos. Numa prova de modernidade, até mesmo de certo vanguardismo, Lopes Ribeiro roda em 1933 um documentário (a que hoje se chamaria "Making of...") intitulado A Preparação do Filme "Gado Bravo".

Após o documentário Fogos Reais na Escola Prática de Infantaria, é incitado por António Ferro, responsável pelo sector da cultura do Estado Novo, a realizar um filme comemorativo dos dez anos do regime implantado a 28 de Maio de 1926. Produzida pelo Secretariado de Propaganda Nacional, a película, chamada A Revolução de Maio (1937) teve argumento de António Lopes Ribeiro e António Ferro (usando respectivamente os pseudónimos de Baltasar Fernandes e Jorge Afonso) e só veio a estar pronta a ser exibida mais dum ano depois da data que se havia desejado para a estreia. A história dum agitador vindo do exílio para desencadear uma insurreição no dia 28 de Maio, cujos movimentos são pacificamente observados pela polícia e que acaba por reconhecer quanto o país havia progredido sob a acção do Estado Novo, não entusiasma o público, na época mais voltado para as comédias, mas é um dos (raros) exemplos de cinema puramente propagandístico feito em Portugal.

A ligação entre António Lopes Ribeiro e o Estado Novo acentuar-se-ia e estará presente em todos os momentos da sua obra, levando-o a ser chamado de "cineasta do regime". Em 1938 é nomeado director artístico da Missão Cinegráfica às Colónias de África, supervisionando durante quase todo o ano o trabalho duma equipa de cinema enviada à Madeira, Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique. Ainda em 1938 filma a Exposição Histórica da Ocupação no séc. XIX, organizada por Leitão de Barros, e no ano seguinte acompanha o Marechal Óscar Carmona e roda Viagem de S. Exa. o Presidente da República a Angola.

O Feitiço do Império (1940) é uma outra longa-metragem de propaganda, produzida pela Agência-Geral das Colónias, embora nela se note uma ligeiramente maior componente de ficção do que n'A Revolução de Maio: a história duma família de emigrantes regressada dos Estados Unidos e que deambula por Lisboa, Guiné, São Tomé, Angola e Moçambique faz-se a certa altura acompanhar de imagens da visita do Presidente da república a Lourenço Marques.

Guiné, Berço do Império (1940), As Festas do Duplo Centenário (1940), Aspectos de Moçambique (1941), Manifestação Nacional a Salazar (1941), A Exposição do Mundo Português (1942) e São Tomé e Príncipe (1942) são outros documentários de louvor ao regime e às suas iniciativas e valem hoje como testemunhos históricos. Constituem também oportunidades de trabalho para técnicos que, assim, exerciam um actividade regular.

Exactamente para conferir ao cinema português uma actividade regular, António Lopes Ribeiro decide criar em 1941 as Produções Lopes Ribeiro, que visariam primordialmente a realização de longas-metragens. Algumas das mais notáveis comédias portuguesas seriam produzidas por António Lopes Ribeiro na década de 40, não podendo, porém, esquecer-se Aniki-Bóbó, de Manoel de Oliveira, num estilo diferente (e algo incompreendido na época).

O Pai Tirano (1941), do próprio Lopes Ribeiro, é para muitos a mais perfeita das comédias portuguesas, uma feliz combinação de teatro e cinema, com um humor que tem resistido ao passar do tempo.

Em 1943 Lopes Ribeiro adapta ao cinema Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, que, em grande parte graças à popularidade da obra literária, constituiria um dos poucos êxitos comerciais dum filme não-humorístico e não-musical.

A actividade primordial do realizador continua a ser o documentário, rodando Angola, uma Nova Lusitânia (1944), Gentes Que Nós Civilizámos (1944), A Morte e a Vida do Eng. Duarte Pacheco (1944), Inauguração do Estádio Nacional (1944), Viagem de Sua Iminência o Cardeal Patriarca de Lisboa (1944), As Ilhas Crioulas de Cabo Verde (1945) e Manifestação a Carmona e Salazar pela Paz Portuguesa (1945).

A adaptação de A Vizinha do Lado (1945), obra muito conhecida do dramaturgo André Brun, começa já a deixar ver que o êxito das comédias (que eram, regra geral, versões cinematográficas de peças teatrais) podia não ser eterno, já que a linguagem do teatro (por exemplo, com poucos cenários) nem sempre se coadunava com o que o cinema requeria (e está-se numa época em que há cada vez mais cinemas e mais hipóteses de ver as grandes produções internacionais).

António Lopes Ribeiro só regressará ao filme de fundo em 1950, limitando-se até aí à escorreita mas pouco criativa realização de documentários. Guiné Portuguesa (1946), O Cortejo Histórico de Lisboa (1947), Anjos e Demónios (1947), Lisboa de Hoje e de Amanhã (1948), 14 Anos de Política do Espírito — Apontamentos Para uma Exposição (1948), 15 Anos de Obras Públicas (1948), Uma Revolução de Paz (1949), Estampas Antigas de Portugal (1949), Viagem ao Porto do Senhor Marechal Carmona (1949), A Nossa Fortuna (1949), Só Tem Varíola Quem Quer (1949), Campanha Eleitoral de 1949, Campanha para a Reeleição do Presidente Carmona (1949), Algarve de Além-Mar (1950), Festa dos Tabuleiros de Tomar (1950), O 2º Congresso Internacional das Capitais do Mundo (1950), Casas Para Trabalhadores (1950), Seguro e Assistência Média (1950), Serviços Médico-Sociais (1950), Trabalho e Previdência (1951).

A sua adaptação de Frei Luís de Sousa (1950), a peça clássica de Almeida Garrett, foi patrocinada pela Academia das Ciências e é assumidamente conduzida de forma teatral, com cenários imponentes e interpretações de alguns dos melhores actores de teatro da época.

A crise por que passa o cinema português na década de 50 afecta também Lopes Ribeiro, que durante quase uma década continuaria a realizar documentários por encomenda: As Rodas de Lisboa (1951), Celebração do 28 de Maio em 1952, O Jubiléu de Salazar (1953), A Viagem Presidencial a Espanha (1953), Cortejos de Oferendas (1953), Uma Realidade Internacional — Tânger (1953), Trabalho Prisional (1954), Viagem do Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Brasil (1954), A Apoteótica Visita a Portugal do Presidente da República ao Brasil (1955), Como os Portugueses Receberam o Presidente do Brasil (1955), A Visita do Chefe de Estado à Ilha da Madeira (1955), A Visita Oficial à Grã-Bretanha do Presidente da República Portuguesa (1955), Arte Portuguesa em Londres (1956), A Regata Torbay-Cascais (1956), Átomos para a Paz (1956), A Visita do Ministro Paulo Cunha aos Portugueses da Califórnia (1956), Rainha Isabel II em Portugal (1957), A Visita a Portugal da Raínha Isabel II da Grã-Bretanha (1957), A Visita Presidencial ao Brasil (1957), A Gloriosa Viagem ao Brasil I/II (1957), 30 Anos com Salazar (1957), Lisboa Vista pelas Suas Crianças (1958), Comunidade Luso-Brasileira I/II (1958), Portugal na Exposição Universal de Bruxelas (1958), Comemorações Nacionais (1958), Portugal no Oriente (1958), A Luta Contra o Cancro (1958), O Lar de Catassol (1959), Faina do Rio e do Mar (1959), Da Serra ao Mar (1959), Jóias do Alto Alentejo (1959), Loiça de Barro (1959), Rendas e Panos (1959), Sés Portuguesas (1959).

A última longa-metragem de Lopes Ribeiro é a adaptação do romance de Eça de Queiroz O Primo Basílio (1959) e provou, apesar duma cuidada planificação, a dificuldade de passar as obras do escritor realista a outro meio. O filme passou despercebido e a crítica de órgãos de informação "menos oficiais" foi severa, considerando-o absolutamente falhado.

A lista de documentários que assina cresce nos anos 60 e 70, sem brilho especial: Mosteiro dos Jerónimos (1960), Arte Sacra (1960), Os Monumentos de Belém (1960), Indústrias Regionais (1960), Uma Jornada Histórica — Do Terrorismo no Congo à Manifestação em Lisboa (1960), Nazaré (1962), As Artes ao Serviço da Nação (1962), Casa Bancária Pinto Magalhães (1963), O I Salão de Antiguidades (1963), Instituto de Oncologia (1963), Esta Pressa de Agora (1964), Gil Vicente e o seu Teatro (1966), Fátima, Espaço do Mundo (1967), Fátima no Médio Oriente (1968), sobre a inauguração dum santuário dedicado a Nossa Senhora de Fátima em Damasco, Terra Santa, Terra Prometida (1968), Termolaminados (1968), O 2º Centenário da Imprensa Nacional (1969), Portugal na Expo'70, Dia de Portugal na Expo'70, Portugal de Luto na Morte de Salazar (1970), O Encontro Presidencial na Ilha Terceira (1971), O Porto de Lisboa, Porta do Atlântico (1971), Macau — Portugal na China (1974).

António Lopes Ribeiro viria a tornar-se muito popular, em especial na década de 60, ao apresentar na Rádio Televisão Portuguesa o programa Museu do Cinema, em que apresentava filmes mudos, popularizando sobretudo a figura de Charlot entre a camada mais nova de espectadores (saliente-se que Lopes Ribeiro havia traduzido a biografia de Charlie Chaplin). Quando se dá a Revolução de 25 de Abril de 1974, toma a decisão de se demitir imediatamente da televisão, a fim de evitar uma esperada situação de saneamento. Será, no entanto, convidado a voltar a apresentar o Museu do Cinema em 1982, dedicando parte considerável dos programas à divulgação de filmes mudos portugueses.

Assumiu sempre as posições políticas que havia perfilhado durante décadas, chegando a ser candidato às eleições legislativas pelo Partido da Democracia Cristã (de direita). Uma das suas últimas aparições em público foi aquando a estreia da adaptação a teatro do seu filme O Pai Tirano, pela companhia Teatro de Animação de Setúbal, um projecto curioso (e até irónico) já que se tratava originalmente dum filme sobre teatro.

Autoria: Alcides Murtinheira

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