Os filhos mandam nos pais
Inês Teotónio Pereira
ionline 21 Dez 2013
ionline 21 Dez 2013
Pai e mãe que façam o que bem lhes apetece ao fim-de-semana são seres em vias de extinção, uns resistentes do antigo regime
Os filhos de hoje são uma espécie de hitlerzinhos sem bigode, uns verdadeiros déspotas domésticos. A época em que os filhos temiam os pais acabou e assistimos agora a um período revolucionário doméstico em curso (PRdEC). Hoje quem manda são os filhos; os pais foram depostos e vivem sujeitos a uma espécie de escravatura dos filhos.
Num destes dias, durante esta época feliz em que os pais correm freneticamente nos centros comerciais para satisfazerem os desejos dos filhos a propósito do Natal, deparei-me com a cena da Sara (de 13 anos no máximo) e da mãe. Estava a Sara a experimentar chapéus ao espelho de uma loja enquanto a mãe esperava pacientemente que ela deixasse de fazer posses e escolhesse um dos chapéus. A criança vestia calções do tamanho de umas cuecas, umas meias cuidadosamente rasgadas e uma camisola que não lhe tapava o umbigo. Sem dúvida que estava na moda. Está claro que o chapéu preferido acabou por ser o mais caro, 50 euros. A mãe, de semblante carregado, chamou a atenção da menina para o facto de o chapéu ser muito caro e perguntou-lhe se ela não podia escolher outro. Qual quê: "É deste que eu gosto por isso é este que me vais dar." E assim foi: a mãe obedeceu, pagou e calou-se.
Fui dali para outra loja e travei conhecimento com outra menina mais ou menos da mesma idade. Esta passeava-se com um telemóvel última geração, uma mochila de marca de surf, uns cabelos compridos e lisos como elas todas usam e calções do tamanho dos da outra. A criança dava guinchos ao mesmo tempo que falava com duas amigas em simultâneo (através do telemóvel) e mostrava-se excitadíssima porque a música que tocava naquela loja era dos One Direction (razão que a levou a ligar às amigas). O pai e a mãe, entretanto, esperavam à porta da loja que a música acabasse para se poderem ir embora: é que a filha só saía dali quando a música acabasse.
De histórias como estas estão as escolas, os centros comerciais e as famílias portuguesas cheias. São os filhos quem mais ordena e não há reforma agrária, operários ou nacionalizações que se lhes comparem. A luta da filharada, ao contrário da luta do operariado, está mais que ganha. Um filho de hoje faz o que quer, tem o que quer, come o que quer e não recebe ordens de ninguém. Os pais obedecem. Eles acham que os desejos dos seus meninos e meninas são ordens e cumprem--nas. As regras que imperam são as regras dos gostos: se eles gostam tem de ser assim. Tudo o resto é secundário, como por exemplo o acordo dos pais. Um pequeno exemplo desta realidade são os fins-de-semana. Aos fins--de-semana os pais entretêm-se com quê? Com passear os meninos entre festas e eventos desportivos das inúmeras actividades em que a criançada participa. Pai e mãe que façam o que bem lhes apetece ao fim-de-semana são seres em vias de extinção, uns resistentes do antigo regime. É por isso que ter filhos hoje em dia é considerado uma loucura - ninguém adere por opção à condição de escravo.
A verdade é que o regime familiar não é democrático, nunca foi: dantes mandavam os pais, agora mandam os filhos. Mas daqui a uns anos logo veremos qual é o melhor regime - os nossos filhos o dirão.
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