Álibi natalício

ionline 2013-12-13
Inês Teotónio Pereira
O momento para o qual se passaram semanas a trabalhar dura entre 5 e 15 segundos, conforme a relevância do papel
As festas de Natal são uma espécie de caça ao tesouro em que, no fim, não há tesouro nenhum. São uma partida que os professores e os educadores encontraram para se vingarem de nós, os pais das criancinhas que eles aturam um ano lectivo inteiro. Os professores, como toda a gente sabe, acham que os pais são, na generalidade, uns incapazes (os médicos e os enfermeiros também acham o mesmo) e, como não têm forma de nos atingir, encontraram este álibi natalício, esta desculpa disfarçada de boa acção para nos infernizarem a vida: a festa de Natal.
As festas de Natal das escolas e afins são sempre teatros. Não há gincanas, jogo do mata, palestras, concertos, marionetas, fado, rodinha bota fora, nada. O programa das festas está limitado ao teatro. Os meninos representam peças de teatro que podem ser de todo o género e podem mesmo não ter absolutamente nada a ver com o Natal. Já vi de tudo.
No dia da festa, o primeiro desafio a ultrapassar é conseguir ver o palco, o segundo é conseguir ver o filho, o terceiro é conseguir ouvir o filho e o quarto é tirar uma fotografia ao filho e não a outra ovelhinha qualquer que está vestida exactamente da mesma maneira. E o pior é quando eles entram no palco e, quando os descobrimos, já estão a sair... O momento para o qual se passaram semanas a trabalhar dura entre 5 e 15 segundos, conforme a relevância do papel. Há casos em que os nossos filhos são apenas coisas que ali estão no palco, como árvores ou estrelas, que não falam, nem andam, nem representam. São os casos mais ingratos.
Mas para tudo isto é preciso vestir os petizes. E é aqui que entram os pais. Quando os primeiros papelinhos com a lista de adereços começam a chegar da escola, entro automaticamente em estado de nervos. O que será desta vez? E a verdade é que as escolas, os professores e educadores, não param de me surpreender. Eles estão sempre um passo à frente. Já vesti os meus filhos de patos, de renas, de árvores, de mesas, de comboios, de ursos, de velhotes da Idade Média, de homem das cavernas, de porquinho, de caixote do lixo, de rainha, de televisão, de frade, de lobos, de duendes, de anjos, de minotauros e até de faunos. Raramente me calhou o papel preferido dos pais: "O seu filho vai de filho, por isso só precisamos que traga roupa normal." Iupiiii! Mas nunca me calhou este recado. Os meus filhos não têm jeito para o papel de filhos e, invariavelmente, são coisas esquisitas.
Este ano, os meus filhos vão representar os papéis de lavadeira, pastor, soldado romano, general romano, leproso e malabarista. Para tudo isto é preciso arranjar saia comprida branca e camisa branca, capas encarnadas, paus, túnica branca, roupa rasgada, cobertor escuro, calças às riscas ou pretas, t-shirt branca e preta, sandálias, botas castanhas, chapéu de malabarista e cabo de uma vassoura (depois devolvem). Já consegui tudo. Foi um processo exaustivo, principalmente a lavadeira e o raio das capas. Mas já está. Este ano, não foi assim muito difícil. Sei de casos em que pediram colãs pretos e roupa preta para um bebé de seis meses. Sei de outro caso em que pediram calças prateadas. Nada de estranho, no meu caso. Apenas ligeiramente difícil.
O teatro é hoje. E é este ano que eu vou mais cedo. Vou sentar-me à frente e, mais uma vez, vou chegar à conclusão de que o trabalho que tive na recolha dos trapos valeu a pena, que os professores são uns heróis da paciência e que os meus filhos são os melhores actores/figurantes do mundo.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António