A felicidade eterna de uma manhã de Natal

Saragoça da Matta, ionline 2013-12-27
Todos os meninos deviam poder ter, sempre, Natais felizes: nunca se sabe qual deles viverá para sempre no seu coração
O menino de três ou quatro anos despertou cedo. Pouco devia passar das sete da manhã. Era uma manhã clara, com ar cálido e cheiro a rabanadas... ou seria bolo de chocolate? O cheiro é difícil de definir, quando os doces de confecção se misturam com o cheiro da terra de áfrica, dos temperos e especiarias que inundam o ar, das gentes de outro hemisfério virado a Oriente.
Ansioso atirou-se da cama bamboleante. Sentia o pijama desajeitado de uma noite de lençóis. As calças meio descaídas, o casaquinho desajeitado. Não via grande coisa. A névoa fazia-o franzir a testa e esfregava os olhos. Sem passar água pela face, pouco conseguia ver.
Não foi grande obstáculo. Saiu do quarto, virou à esquerda e foi tropegando até à sala. A meio do pequeno corredor já estava encandeado pela luz que entrava pelas janelas da sala, que davam para uma larga varanda. Ainda a toldar-lhe mais a visão da sala estava uma estante. Apesar de toda aberta de um lado ao outro, estava carregada de decorações. Seria negra essa estante? Nem lhe importou, estava lá desde que se lembrava.
A meio dos passos entre o quarto e a sala lá estava, à direita, a porta da cozinha. Pressentiu haver alguém por lá em azáfama, entre tachos e panelas. Pouco ligou. O objectivo era a sala.
Aqueles poucos metros, entre o andar inseguro e a remela que tinha sobrado da noite de sono, não terminavam. Finalmente chegou. Ultrapassado o obstáculo visual da estante lá estava ela. A árvore de Natal profusamente enfeitada como na véspera. Mas algo havia de novo. Debaixo da árvore, a toda a volta, havia presentes. Imensos presentes.
Alguém, já não recorda se Pai ou Mãe, içaram-no de repente, inesperadamente, a um colo. Havia risos. Só aí se apercebeu do ruído envolvente. Pousado no chão põem-lhe uma prenda nas mãos. Embrulhada. Tinha um laço de cor hoje indizível. Seria de vermelho banal? Não. Era, talvez, arroxeado. Mas havia tanta cor. As fitas na árvore de Natal, os laços dos outros presentes. Como atentar?
As pequenas mãos do miúdo tentavam despedaçar o papel. Os olhos teimavam em continuar enevoados. Finalmente, com ajuda crescida, o presente revelou-se. E depois outro. E mais outro. Eram vários. Quatro ou cinco? Um seria o carro de bombeiros vermelho e azul? Eram, sim, os suficientes para não lhe ficarem na memória futura de adulto.
Mas tudo o mais lhe ficou gravado para não esquecer. A luz difusa. O olhar arremelgado. Os passos instáveis. O cheiro a doces natalícios misturado com o cheiro da terra e com o cheiro da casa paterna - há lá outro sítio com odor tão marcante!
Tantos anos volvidos, é ainda a mais vívida imagem de um Natal infantil que aquele menino tem: rodeado pelos Pais, primos, tios, amigos. Muitos outros foram vividos até à idade da consciência. Mas nenhuma manhã de Natal ficou como aquela tão impressa na memória.
Não sabe porque foi assim. Não sabe porque é assim. Mas foi um momento de felicidade infantil única e intensa, pura e límpida. Por isso todos os meninos deviam poder ter, sempre, Natais felizes: nunca se sabe qual deles viverá para sempre no seu coração.

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