Crato, as provas e os professores
Henrique Monteiro
Quinta feira, 19 de dezembro de 2013
Sou, há muitos anos, amigo do ministro da Educação. Mas isso não significa que esteja de acordo com tudo o que ele faz. Tenho, aliás, dúvidas de que a condução política do processo das provas de professores tenha sido a mais eficaz.
Conheço muitos professores. E bons professores, de uma dedicação extraordinária tendo em conta o trabalho que têm, o salário que recebem e, sobretudo, as desconsiderações que sofrem. Essas desconsiderações existem há muitos - demasiados anos - o que os deixa, por vezes, à beira de um desespero que é facilmente aproveitado. E Nuno Crato conhece tudo isto tão bem como eu, assim como conhece toda a manha de certos sindicatos e desse grande professor e pedagogo que é Mário Nogueira. Saberia, pois, que todo o cuidado era pouco.
Significa isto que não devia ter feito provas para professores? Não, nada disso. Vou até mais longe: um dia que queiramos colocar no são as escolas portuguesas teremos de questionar, seriamente, o conhecimento de quem tem por profissão transmitir conhecimentos. Sou daqueles que entende que ao excesso de ensino de pedagogia correspondeu um brutal défice de ensino de matérias básicas.
Deixem-me contar uma história verdadeira, da qual existem várias testemunhas. No âmbito do prémio escolar Montepio (que por sinal foi ontem entregue aos vencedores da sua sexta edição) visitei uma escola com alguns outros membros do júri. Um deles, o Dr. Silva Lopes, inopinadamente virou-se para um professor e perguntou qualquer coisa como isto "Não leva a mal que eu lhe faça uma pergunta de algibeira?". Obtida a anuência, Silva Lopes disparou: "7X8?". O professor embatucou.
Não pretendo que não possa haver, aqui e ali, uma branca. Mas quero dizer que todos os professores, sejam eles de música, de moral ou de desenho, têm de saber na ponta da língua algumas noções básicas de matemática, de português, de geografia, de ciências naturais. E que isso, para quem conhece as escolas, perdeu-se em boa parte.
Mais do que a velha discussão radical, tipo PREC, em que se está a transformar toda a política portuguesa (30 pessoas - cito o 'Público' - não se coíbem de exigir a demissão de um ministro e ensaiam uma invasão das instalações do Ministério), na qual apenas interessa saber quantos fizeram exame e quantos não fizeram, se o Ministério foi humilhado ou se foram os sindicatos, é essencial que a sociedade, e entre ela os muito bons professores que ainda temos, deem um safanão neste sistema de irresponsabilidade que grassa pelas escolas. Qualquer professor universitário, qualquer funcionário público é avaliado, interna e externamente. Os professores não podem ser uma casta saída das escolas de educação, nem um grupo de intocáveis, como pretende essa figura patusca que, talvez por não ter sido ministro depois de Passos Coelho lhe apresentar um livro, remói insultos em colunas de jornais (refiro-me a Santana Castilho).
Não há dúvida que algumas das medidas ainda tomadas pelo Governo anterior iam no bom caminho, mas as coisas não podem continuar como até agora. Estamos a perder uma batalha (e não só em Portugal, olhem os resultados do PISA, toda a Europa a perde face ao Oriente). Estamos a perder a batalha do conhecimento, apenas porque se conjugaram dois tipos de males no nosso sistema: os que gostam de fazer experiências de engenharia social e passam a vida a abordar as chamadas 'aprendizagens' e os que não querem mesmo esforçar-se e trabalhar, mostrar serviço e obra feita.
Para aqueles muitos meus colegas de Faculdade que dedicaram a vida ao ensino, a atualizar-se a conseguir a disciplina nas aulas pelo interesse e persuasão que nelas colocam, este desfecho é uma tragédia.
Não gostava que, por via de quem mais grita e mais fala nos jornais, o todo dos professores fosse tomado por uma parte cuja existência, em muitos casos seria dispensável.
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