O furacão Bergoglio
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2013-12-30
Todos gostam do Papa Francisco. Os quadrantes mais variados são inspirados pelas palavras, pelos gestos e pelas atitudes do novo Pontífice. Nestes nove meses de pontificado sentiu-se uma lufada de ar fresco, não só na Igreja mas em todo o mundo. A novidade foi inesperada, apesar de acontecer repetidamente nos pontificados anteriores.
Muitos se lembram de 1978 e da lufada de ar fresco na Igreja e no mundo com a eleição de João Paulo II, que inspirou quadrantes muito variados. Mas esquecem que o mesmo acontecera um mês antes com João Paulo I, em 1963 com Paulo VI, em 1958 com João XXIII e com muitos outros. Apesar das comunicações lentas, até há evidentes paralelos de 2013 com a eleição de Leão XIII em 1878, Pio IX em 1846 e antecessores. É normal haver surpresa, entusiasmo, expectativa com um novo papa.
Raro é, após o fumo branco, ver-se na varanda de São Pedro uma cara conhecida. Aconteceu em 2005. O cardeal Ratzinger, além de antigo e famoso colaborador do papa Wojtyla, era autor consagrado, com vários best-sellers em seu nome. Muitos previram a eleição e assim fomos poupados à surpresa e à admiração. O assombro veio depois, quando o intelectual Bento XVI se revelou caloroso, mediático, comovente.
Precisamente por ser normal, a emoção à volta de Francisco tem elementos novos e fascinantes. É um grande homem de Deus, profundo, sensível, libertador. Neste caso, é mesmo justificada a paixão e o encanto (como nos casos anteriores). Em pouco tempo e com pequenos gestos, mas também com dois grandiosos documentos, o Papa Bergoglio soube tocar muita gente de maneiras muito variadas.
Nestes poucos meses, por inúmeras vezes, o Papa disse e fez coisas inesperadas, surpreendentes, incómodas até. Foi, mais do que lufada, furacão. Todos o notaram. A diferença está no que fizeram com isso. Todos gostam dele e o ouvem com interesse e prazer, às vezes com avidez. Mas existem duas maneiras diferentes de confrontar a sua pessoa. O consenso à sua volta sofre de um cisma fundamental, ainda oculto.
Existem aqueles que o seguem como Papa e os que o usam como Papa; os que aprendem com ele e os que concordam com ele; os que aceitam as suas palavras como aviso e os que as vêem como argumento. As ovelhas do Papa tomaram-no como dirigido a si mesmas e fizeram exame de consciência, propósito de emenda, penitência reparadora. Mas muitos consideraram os mesmos elementos apenas como apontados a outros. Esses só o usaram como argumento de discussão, confirmação de juízos, arma de arremesso. Esperam de Francisco não o anúncio do Reino e a divulgação da Palavra, mas a realização de agendas particulares e modelos pessoais. Não o querem como pai e mestre, mas como agente e gestor.
Deste modo, o Papa, como o seu Senhor, mas também como o seu fundador Inácio e o patrono de Assis, é "sinal de contradição", diante de quem "hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações" (cf. Lc 2, 34-35).
Boa parte da discrepância advém de uma má compreensão da função de Sumo Pontífice. Muitos, mesmo inteligentes e democratas, vêem o Papa como dono da Igreja de Cristo. Alguns que defendem a colegialidade eclesial querem agora nele poder central absoluto. Mas o sucessor de Pedro não manda, pastoreia. É o "servo dos servos de Deus". Francisco ama intensamente a sua Igreja e não a quer desmantelar ou desfigurar, como alguns apoiantes momentâneos pretendem. Desta incompreensão sairá, como em praticamente todos os pontificados anteriores, que o fascínio inicial se venha a transformar em críticas, zangas e perseguições dos que apoiaram o novo Papa sem ser realmente suas ovelhas.
O maior equívoco está em achar a Igreja obsoleta, exigindo actualização para sobreviver. Esquecem que já cá andava muito antes de surgirem as instituições antigas e permanecerá depois de desaparecerem as ideias agora inovadoras. A Igreja sempre precisa de reforma, por estar abaixo do ideal transcendente. Mas essa reforma é feita com os olhos no Céu, não nas conveniências do momento. A sua missão é converter o mundo, não ser aceite por ele.
DN 2013-12-30
Todos gostam do Papa Francisco. Os quadrantes mais variados são inspirados pelas palavras, pelos gestos e pelas atitudes do novo Pontífice. Nestes nove meses de pontificado sentiu-se uma lufada de ar fresco, não só na Igreja mas em todo o mundo. A novidade foi inesperada, apesar de acontecer repetidamente nos pontificados anteriores.
Muitos se lembram de 1978 e da lufada de ar fresco na Igreja e no mundo com a eleição de João Paulo II, que inspirou quadrantes muito variados. Mas esquecem que o mesmo acontecera um mês antes com João Paulo I, em 1963 com Paulo VI, em 1958 com João XXIII e com muitos outros. Apesar das comunicações lentas, até há evidentes paralelos de 2013 com a eleição de Leão XIII em 1878, Pio IX em 1846 e antecessores. É normal haver surpresa, entusiasmo, expectativa com um novo papa.
Raro é, após o fumo branco, ver-se na varanda de São Pedro uma cara conhecida. Aconteceu em 2005. O cardeal Ratzinger, além de antigo e famoso colaborador do papa Wojtyla, era autor consagrado, com vários best-sellers em seu nome. Muitos previram a eleição e assim fomos poupados à surpresa e à admiração. O assombro veio depois, quando o intelectual Bento XVI se revelou caloroso, mediático, comovente.
Precisamente por ser normal, a emoção à volta de Francisco tem elementos novos e fascinantes. É um grande homem de Deus, profundo, sensível, libertador. Neste caso, é mesmo justificada a paixão e o encanto (como nos casos anteriores). Em pouco tempo e com pequenos gestos, mas também com dois grandiosos documentos, o Papa Bergoglio soube tocar muita gente de maneiras muito variadas.
Nestes poucos meses, por inúmeras vezes, o Papa disse e fez coisas inesperadas, surpreendentes, incómodas até. Foi, mais do que lufada, furacão. Todos o notaram. A diferença está no que fizeram com isso. Todos gostam dele e o ouvem com interesse e prazer, às vezes com avidez. Mas existem duas maneiras diferentes de confrontar a sua pessoa. O consenso à sua volta sofre de um cisma fundamental, ainda oculto.
Existem aqueles que o seguem como Papa e os que o usam como Papa; os que aprendem com ele e os que concordam com ele; os que aceitam as suas palavras como aviso e os que as vêem como argumento. As ovelhas do Papa tomaram-no como dirigido a si mesmas e fizeram exame de consciência, propósito de emenda, penitência reparadora. Mas muitos consideraram os mesmos elementos apenas como apontados a outros. Esses só o usaram como argumento de discussão, confirmação de juízos, arma de arremesso. Esperam de Francisco não o anúncio do Reino e a divulgação da Palavra, mas a realização de agendas particulares e modelos pessoais. Não o querem como pai e mestre, mas como agente e gestor.
Deste modo, o Papa, como o seu Senhor, mas também como o seu fundador Inácio e o patrono de Assis, é "sinal de contradição", diante de quem "hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações" (cf. Lc 2, 34-35).
Boa parte da discrepância advém de uma má compreensão da função de Sumo Pontífice. Muitos, mesmo inteligentes e democratas, vêem o Papa como dono da Igreja de Cristo. Alguns que defendem a colegialidade eclesial querem agora nele poder central absoluto. Mas o sucessor de Pedro não manda, pastoreia. É o "servo dos servos de Deus". Francisco ama intensamente a sua Igreja e não a quer desmantelar ou desfigurar, como alguns apoiantes momentâneos pretendem. Desta incompreensão sairá, como em praticamente todos os pontificados anteriores, que o fascínio inicial se venha a transformar em críticas, zangas e perseguições dos que apoiaram o novo Papa sem ser realmente suas ovelhas.
O maior equívoco está em achar a Igreja obsoleta, exigindo actualização para sobreviver. Esquecem que já cá andava muito antes de surgirem as instituições antigas e permanecerá depois de desaparecerem as ideias agora inovadoras. A Igreja sempre precisa de reforma, por estar abaixo do ideal transcendente. Mas essa reforma é feita com os olhos no Céu, não nas conveniências do momento. A sua missão é converter o mundo, não ser aceite por ele.
Comentários