O casamento dos homossexuais

Diário de Notícias, 20090219
Maria José Nogueira Pinto
Jurista

Esta questão tem aspectos muito importantes e outros que pouco interessam. O aspecto jurídico, por exemplo, é a mais pobre das abordagens porque, como se sabe, o casamento e a família são realidades anteriores ao Estado e a sua relevância não advém de sobre elas se ter legislado, pelo contrário, legislou-se porque essa relevância social, que já existia, foi reconhecida pelo legislador. O casamento e a família são o que são, o que sempre foram ao longo dos tempos, só que agora pessoas do mesmo sexo querem casar-se. Pensar que para isso basta alterar a lei é uma falácia, já que a lei alterada não muda o casamento nem a família, mas cria uma outra realidade que não é, por natureza, nem uma coisa nem outra.

Não vale a pena dizer que uma família é aquilo que cada um quiser (eu, o meu cão e o meu canário?); nem contornar a bicuda questão da adopção, na qual o melhor interesse da criança sempre se sobreporá a construções teórico-jurídicas de duvidosa sustentabilidade; ou minimizar esse efeito, comparando esta adopção e os seus riscos com a romanceada situação das crianças institucionalizadas - sós, famintas, negligenciadas - como se fossem cães num canil. Nem fugir, e percebe-se bem porquê, ao ponto crítico da poligamia. Todos sabem que isto é assim.

É certo que pessoas do mesmo sexo vivem em união de facto e não há que escamotear essa realidade ou desproteger situações que merecem protecção jurídica. Foi para acautelar estas situações que se aprovou uma lei. Recordo- -me bem, pois à época era deputada e participei nos trabalhos parlamentares que conduziram à sua aprovação. Afinal essa lei não serviu para nada, como se vê, porque para os que então a queriam o casamento surge, agora, como a única resposta aceitável.

Então, porque querem casar os homossexuais? Esta, sim, é que me parece a primeira questão digna de meditação. Num tempo em que cada vez menos casais heterossexuais se casam, em que aumenta o número de divórcios e é consagrada a união de facto, este desiderato parece estranho. Nos países (poucos) em que a lei foi aprovada verificou-se que o número de casais homossexuais que contraíram matrimónio foi diminuto. Porquê? Talvez que, uma vez aprovada, a lei tivesse deixado de ser importante para uma parte significativa desses homossexuais; talvez que o importante fosse a lei e não o casamento, tal como, aliás, se passou com as uniões de facto.

Então, porque querem tanto a lei os homossexuais? Esta é a segunda e a mais importante das questões que o tema levanta: a simbologia. Na busca de um estatuto de respeitabilidade, os homossexuais exigem um símbolo suficientemente forte para afastar os fantasmas da diferença, da discriminação implícita, de uma situação apenas consentida, do medo da homofobia, da suposição do desprezo, da condescendência hipócrita. Só a institucionalização por via do legislador de uma igualdade de acesso ao casamento, destruindo os pilares fundamentais e distintivos desta realidade antropológica e social, criando uma ficção onde todos são igualmente incluídos, os pode securizar.

Parece-me desmesurado e, ao mesmo tempo, contraditoriamente patético. Obriga-me a pensar que no fundo de tudo isto há muita humilhação, muita insegurança e decerto muita dor. E os porta-vozes dos homossexuais, numa espécie de autoflagelação exibicionista, têm contribuído para esta humilhação, levando-me a duvidar, em alguns casos, sobre o que é que realmente os move...

Se a lei for aprovada, assistiremos a alguns casamentos que, pela sua novidade, serão objecto de uma forte mediatização, mas a questão de fundo fica por resolver. Para ser franca, e tal como está colocado, o problema não tem solução. Porque aquilo que é diferente não pode ser igual. Nem simbolicamente e menos ainda se o símbolo é usurpado.

Comentários

Anónimo disse…
Muito bem visto, muito bem escrito! Pena é que pessoas como a Dra Maria José Nogueira Pinto e o Padre Nuno Serras Pereira, que tão bem escrevem sobre questões como esta e similares, não tenham estado presentes no recente debate do Prós e Contras, a grande parte do qual eu assiti, tendo pasmado com o que lá foi dito pelos defensores dos casamentos homossexuais! Eu bem sei que aquilo está inquinado e o figurino do programa é feito de maneira a destacar e valorizar os argumentos que interessam a quem está por detrás dele. A apresentadora, Fátima Campos, é principescamente paga para fazer o papel que faz e é de um facciosimo impressionante. Até na questão das palmas que deixa ou não bater, conforme são as mais convenientes. Por isso, já raras vezes vejo o Prós e Contras que, quanto a mim, é cada vez mais "Prós e Prós". Contudo, acho que a televisão é o meio de comunicação social que chega às massas e vai informando/"desinformando" e enformando as consciências, enquanto aquilo que se escreve, por mais certeito e primoroso que seja, chega apenas a uma pequena parte da população que lê a imprensa. Louvo o Padre Vaz Pinto e outras pessoas que tiveram a coragem de ir ao programa, mesmo que nem sempre tenham conseguido fazer ouvir os seus melhores argumentos. Há ali um boicote, algo disfarçado, mas nítido! Na verdade, é através das televisões que se chega á grande maioria da população e esse meio de comunicação pesa muito na opinião pública. Aí, muitas vezes se podem ganhar ou perder causas. Por isso, eu acho que não se deve desistir do combate através da TV.
odnanref disse…
Boa tarde, Sra. Dra. Maria José:

O casamento tem uma simbologia e uma definição: contrato entre pessoas de sexo diferente, (o homem/marido e a esposa/mulher) que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida; Art.º 1577.º do C. Civil.

Na Igreja chama-se matrimónio, é reservada aos baptizados e é um sacramento (um sinal sagrado) cfr. Can.1054

Assim, concordo quando diz que há uma noção social para além da situação jurídica.

O certo é que o casamento produz efeitos jurídicos importantes, e que parecem dever ser nele incluídos as pessoas que vivem uma união permanente e íntima de vida e sejam do mesmo sexo.
Por outro lado, alguns destes efeitos, de carácter imperativo, são modos de intervenção do Estado na vida das pessoas casadas; donde, há quem não se case, devido aos efeitos que a Lei obriga.

Portanto, a questão das palavras é importante, mas os efeitos também o são.

Hoje a União de Facto já oferece a muitas pessoas direitos que anteriormente se limitavam aos casados.
E, as pessoas que vivem em união de facto, e que não se casaram por não quererem os efeitos que a Lei oferece aos casados, apresentam-se como "meu marido" ou "minha mulher"
Certos casais gostariam que a sua União fosse pública, mas não desejam os efeitos actuais da Lei: como há casamentos com vários regimes de bens, outras situações poderiam ser salvaguardadas, como direitos hereditários, obrigação de sustento, etc.
Chamo a atenção para o actual regime hereditário, muitas vezes indesejado para quem queira contrair casamento havendo filhos de um terceiro; podem, justificadamente, não querer ser herdeiros um do outro e a Lei não o permite.


O casamento é também uma cerimónia pública, em que as partes se comprometem perante a comunidade.

Parece natural que a evolução seja para que as uniões homossexuais queiram poder celebrar numa cerimónia pública o seu compromisso.

(Casal, por definição, são dois seres do mesmo género de sexo diferente; dizer “casal homossexual” é, na verdade, uma aberração linguística. Melhor será dizer uma União homossexual)

Qualquer compromisso publico tem motivações sociais e motivações jurídicas, que o justificam.

Por isso, quem viva em União de Facto, faz uma escolha e a Lei atribui-lhe efeitos;

Então, porque não criar a figura de União Publica, na qual as partes fazem um compromisso público e podem escolher os efeitos:
Estes até podem ser todos os do casamento, mas podem ser apenas alguns.

E, poderão ser admitidas Uniões Públicas de 3 ou 4 ou 5 pessoas?
Os muçulmanos e membros de outras religiões, e costumes, não aceitam Uniões entre mais do que duas pessoas?

Confusão?
ou
Solução?

Fernando de Andrade Ramos

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