Ajudar quem
Público, 01.02.2009, António Barreto
Retrato da semana
O desemprego parece ser a ameaça mais grave. Destrói a economia e a sociedade e cria situações de enorme sofrimento
Crise económica. Crise financeira. Crescimento negativo. Recessão oficial. Crédito difícil. Falência de empresas. Bancos sem recursos. Apoio do Estado. Nacionalização de bancos em dificuldades. Apoios estatais extraordinários. Aumento do défice público. Obras públicas. Desemprego.
Estes são, há já várias semanas, os títulos das notícias. O desemprego parece ser a ameaça mais grave. Destrói a economia e a sociedade. Cria fenómenos individuais e familiares de enorme sofrimento. Deixa sequelas profundas nas pessoas e nas comunidades. Para além das mil e três receitas que os Estados e os economistas inventam, tantas delas sem destino nem viabilidade, os desempregados deveriam estar à cabeça de todas as preocupações. Não apenas por dó, conforto e solidariedade, mas também por outras razões. A paz social e a recuperação económica. E a dignidade humana.
Nestes períodos de dificuldade, perde-se rapidamente a cabeça com programas de salvação, quantas vezes a pensar mais nas eleições do que na sociedade. Há muito dinheiro dos contribuintes a circular, mas não se sabe bem aonde ele vai parar. Salvam-se bancos e empresas, talvez, mas perdem-se vidas e famílias, provavelmente. Recompensam-se criminosos, mas castigam-se vítimas. Confortam-se especuladores, mas ameaçam-se os que poupam. Fazem-se auto-estradas, mas não há quem nelas circule. Por entre planos sofisticados, ficam a ganhar os técnicos e os burocratas, mas perdem os desempregados e os pobres. A rigidez da burocracia e da legislação elimina hipóteses de intervenção com bons resultados para a sociedade, a economia e os necessitados. A megalomania das administrações e dos tecnocratas leva-os a produzir planos e programas que, no papel, gastam milhões e empregam milhares, mas que geralmente não respondem, ou respondem mal, às necessidades imediatas.
Os desempregados que recebem para ficar em casa deveriam ter a oportunidade de fazer algo de útil para a sociedade e para a sua dignidade pessoal. Os reformados com possibilidade de colaborar deveriam ser organizados para prestar serviços úteis, solidários e até produtivos. Os subsídios concedidos a quem sabe movimentar-se agilmente na selva dos fundos deveriam ter, em tempos de crise, outra "filosofia" e estarem destinados directamente a quem precisa e a quem sabe dar-lhes um destino genuíno, não necessariamente as inaugurações preparadas para
a televisão. Deveria ser fácil e expedito encontrar soluções que travassem a caminhada inexorável para a falência e a perda definitiva de emprego. Reduzir a produção, encerrar as empresas alguns dias por semana e diminuir temporariamente os salários deveriam ser aceites por trabalhadores, sindicatos, patrões e Estado. Contratar "precários" em condições especiais deveria ser simples. Tudo isto, evidentemente, desde que os empresários fossem honestos, falassem com os trabalhadores e dessem o exemplo. Aadministração deveria ter já organizado acções excepcionais que fizessem bem aos desempregados e aos pobres, mas que garantissem uma qualquer utilidade social.
Áreas não faltam.
Apoio aos lares de idosos, acompanhamento de velhos e doentes, cuidado de crianças em creche. Transporte e deslocação de pessoas carenciadas.
Limpeza, reparação e manutenção do património.
Classificação de arquivos e documentos.
Protecção e vigilância das florestas.
Tratamento e amparo dos sem-abrigo.
Reparação e calcetamento de ruas.
Vigilância dos museus (parcialmente fechados por falta de verba...).
Abertura de monumentos e bibliotecas até horas mais tardias.
Obras locais nos jardins e parques.
Acompanhamento de actividades desportivas juvenis.
Transporte escolar.
Apoio às actividades das organizações não governamentais e de solidariedade.
O que não falta são necessidades.
Ontem, neste jornal, José Pacheco Pereira escreveu sobre estes problemas e evoca em particular a questão do desemprego e dos mecanismos do Estado providência que melhor conhecemos, os que integrariam o "modelo social europeu". Sublinha em particular, com toda a razão, um enviesamento deste "modelo": parece estar feito para proteger melhor os que já têm alguma segurança. O emprego precário, sem as protecções habituais da legislação excessivamente rígida, é combatido pelos sindicatos e por certos partidos, mas é visto por muitos desempregados como uma verdadeira salvação. Em períodos de crise como a actual, seriam úteis dispositivos de toda a espécie que permitissem que as actividades e os empregos a criar durante os períodos difíceis fossem abrangidos por novas regras. Os abusos podem ser muitos, mas é melhor corrigir depois do que deixar o vazio. O subsídio de desemprego deveria estar ligado a trabalho, mesmo que não seja emprego.
Quando há fundos à disposição dos pobres, dos desempregados, dos marginalizados e dos excluídos, assim como quando há recursos orientados para o desenvolvimento, as perguntas que logo surgem ao espírito são conhecidas.
Será que esses recursos chegam realmente onde importa?
As mulheres e os homens do campo, das fábricas e dos serviços receberão alguma parte dos benefícios existentes?
As pequenas e médias empresas que geram emprego com mais flexibilidade e mais rapidez que os grandes conglomerados estão realmente no fim da linha dos fluxos de dinheiros?
Os apoios aos pobres, aos desempregados e aos idosos alcançam efectivamente aqueles a que estão destinados?
Essas ajudas são instrumentos de recuperação e de recomeço de vida, ou, pelo contrário, reforçam a humilhação dos destituídos e dos desempregados?
Há muitos anos que se sabe que grande parte desses fundos fica pelo caminho. Trabalhos muito sérios das Nações Unidas, do Banco Mundial e da União Europeia mostram que, desde os anos 70, grande parte da ajuda fica entre as mãos dos burocratas, dos políticos e de uma longa fileira de oportunistas que se colocam estrategicamente entre doadores e necessitados.
Noutros casos, são os próprios agentes de desenvolvimento, nacionais ou estrangeiros, que retiram uma quota-parte considerável.
Há ainda situações em que a ajuda de emergência, cheia de boas intenções, destrói agricultores, artesãos e empresas incapazes de competir com bens de caridade.
É sempre assim: a pobreza de muitos aguça a esperteza de alguns.
Retrato da semana
O desemprego parece ser a ameaça mais grave. Destrói a economia e a sociedade e cria situações de enorme sofrimento
Crise económica. Crise financeira. Crescimento negativo. Recessão oficial. Crédito difícil. Falência de empresas. Bancos sem recursos. Apoio do Estado. Nacionalização de bancos em dificuldades. Apoios estatais extraordinários. Aumento do défice público. Obras públicas. Desemprego.
Estes são, há já várias semanas, os títulos das notícias. O desemprego parece ser a ameaça mais grave. Destrói a economia e a sociedade. Cria fenómenos individuais e familiares de enorme sofrimento. Deixa sequelas profundas nas pessoas e nas comunidades. Para além das mil e três receitas que os Estados e os economistas inventam, tantas delas sem destino nem viabilidade, os desempregados deveriam estar à cabeça de todas as preocupações. Não apenas por dó, conforto e solidariedade, mas também por outras razões. A paz social e a recuperação económica. E a dignidade humana.
Nestes períodos de dificuldade, perde-se rapidamente a cabeça com programas de salvação, quantas vezes a pensar mais nas eleições do que na sociedade. Há muito dinheiro dos contribuintes a circular, mas não se sabe bem aonde ele vai parar. Salvam-se bancos e empresas, talvez, mas perdem-se vidas e famílias, provavelmente. Recompensam-se criminosos, mas castigam-se vítimas. Confortam-se especuladores, mas ameaçam-se os que poupam. Fazem-se auto-estradas, mas não há quem nelas circule. Por entre planos sofisticados, ficam a ganhar os técnicos e os burocratas, mas perdem os desempregados e os pobres. A rigidez da burocracia e da legislação elimina hipóteses de intervenção com bons resultados para a sociedade, a economia e os necessitados. A megalomania das administrações e dos tecnocratas leva-os a produzir planos e programas que, no papel, gastam milhões e empregam milhares, mas que geralmente não respondem, ou respondem mal, às necessidades imediatas.
Os desempregados que recebem para ficar em casa deveriam ter a oportunidade de fazer algo de útil para a sociedade e para a sua dignidade pessoal. Os reformados com possibilidade de colaborar deveriam ser organizados para prestar serviços úteis, solidários e até produtivos. Os subsídios concedidos a quem sabe movimentar-se agilmente na selva dos fundos deveriam ter, em tempos de crise, outra "filosofia" e estarem destinados directamente a quem precisa e a quem sabe dar-lhes um destino genuíno, não necessariamente as inaugurações preparadas para
a televisão. Deveria ser fácil e expedito encontrar soluções que travassem a caminhada inexorável para a falência e a perda definitiva de emprego. Reduzir a produção, encerrar as empresas alguns dias por semana e diminuir temporariamente os salários deveriam ser aceites por trabalhadores, sindicatos, patrões e Estado. Contratar "precários" em condições especiais deveria ser simples. Tudo isto, evidentemente, desde que os empresários fossem honestos, falassem com os trabalhadores e dessem o exemplo. Aadministração deveria ter já organizado acções excepcionais que fizessem bem aos desempregados e aos pobres, mas que garantissem uma qualquer utilidade social.
Áreas não faltam.
Apoio aos lares de idosos, acompanhamento de velhos e doentes, cuidado de crianças em creche. Transporte e deslocação de pessoas carenciadas.
Limpeza, reparação e manutenção do património.
Classificação de arquivos e documentos.
Protecção e vigilância das florestas.
Tratamento e amparo dos sem-abrigo.
Reparação e calcetamento de ruas.
Vigilância dos museus (parcialmente fechados por falta de verba...).
Abertura de monumentos e bibliotecas até horas mais tardias.
Obras locais nos jardins e parques.
Acompanhamento de actividades desportivas juvenis.
Transporte escolar.
Apoio às actividades das organizações não governamentais e de solidariedade.
O que não falta são necessidades.
Ontem, neste jornal, José Pacheco Pereira escreveu sobre estes problemas e evoca em particular a questão do desemprego e dos mecanismos do Estado providência que melhor conhecemos, os que integrariam o "modelo social europeu". Sublinha em particular, com toda a razão, um enviesamento deste "modelo": parece estar feito para proteger melhor os que já têm alguma segurança. O emprego precário, sem as protecções habituais da legislação excessivamente rígida, é combatido pelos sindicatos e por certos partidos, mas é visto por muitos desempregados como uma verdadeira salvação. Em períodos de crise como a actual, seriam úteis dispositivos de toda a espécie que permitissem que as actividades e os empregos a criar durante os períodos difíceis fossem abrangidos por novas regras. Os abusos podem ser muitos, mas é melhor corrigir depois do que deixar o vazio. O subsídio de desemprego deveria estar ligado a trabalho, mesmo que não seja emprego.
Quando há fundos à disposição dos pobres, dos desempregados, dos marginalizados e dos excluídos, assim como quando há recursos orientados para o desenvolvimento, as perguntas que logo surgem ao espírito são conhecidas.
Será que esses recursos chegam realmente onde importa?
As mulheres e os homens do campo, das fábricas e dos serviços receberão alguma parte dos benefícios existentes?
As pequenas e médias empresas que geram emprego com mais flexibilidade e mais rapidez que os grandes conglomerados estão realmente no fim da linha dos fluxos de dinheiros?
Os apoios aos pobres, aos desempregados e aos idosos alcançam efectivamente aqueles a que estão destinados?
Essas ajudas são instrumentos de recuperação e de recomeço de vida, ou, pelo contrário, reforçam a humilhação dos destituídos e dos desempregados?
Há muitos anos que se sabe que grande parte desses fundos fica pelo caminho. Trabalhos muito sérios das Nações Unidas, do Banco Mundial e da União Europeia mostram que, desde os anos 70, grande parte da ajuda fica entre as mãos dos burocratas, dos políticos e de uma longa fileira de oportunistas que se colocam estrategicamente entre doadores e necessitados.
Noutros casos, são os próprios agentes de desenvolvimento, nacionais ou estrangeiros, que retiram uma quota-parte considerável.
Há ainda situações em que a ajuda de emergência, cheia de boas intenções, destrói agricultores, artesãos e empresas incapazes de competir com bens de caridade.
É sempre assim: a pobreza de muitos aguça a esperteza de alguns.
Comentários