Presidenciais e voto católico

Público, 2011-01-21  António Pinheiro Torres
É por reconhecer que tal eleitorado existe que diversas candidaturas vêm, de forma mais directa ou não, apelando ao voto

Conforme muitas e credenciadas vozes vêm afirmando, não se pode dizer que exista um eleitorado, ou um voto, católico, nem sequer simplesmente cristão, se por essa designação entendermos uma expressão eleitoral unitária de quem se afirma como sendo parte dessa confissão religiosa: ao longo dos anos e em Portugal ,os católicos exprimem-se em diferentes partidos e votam por diversas opções. Se atendermos aos resultados eleitorais, pode mesmo duvidar-se se muitos dos cristãos se darão ao trabalho de confrontar a sua escolha política com os princípios da sua fé (conforme a hierarquia da Igreja católica e algumas iniciativas de leigos sempre convidam nas vésperas de qualquer acto eleitoral) ...

Este facto, porém, não contradiz que dentro desse eleitorado que professa o cristianismo, ou no quadro mais amplo, e abrangendo quem não partilha essa fé, do centro-direita, não se venha afirmando ao longo dos anos um corpo eleitoral com um volume de voto estável (vejam-se o milhão e meio de votos "não" nos referendos do aborto). Com manifestações cívicas quantitativamente impressivas (petições populares a um ritmo médio de dois em dois anos que reúnem entre 80 e 200 mil assinaturas) e até, em alguns actos eleitorais, esporádicos movimentos uniformes (como a transferência de voto para o PP nas últimas Europeias).

É por reconhecer que tal eleitorado existe que diversas candidaturas nestas presidenciais (que não a que se prenuncia vencedora) vêm, de forma mais directa ou não, apelando ao voto daqueles que se identificam com a agenda agregadora deste povo: liberdade de educação e religiosa, vida e família, subsidiariedade. Ou tacitamente ("votem agora nesta e obriguem assim Cavaco Silva a ir à 2.ª volta") ou programaticamente ("votem em mim porque sou dos vossos ou defenderei as vossas ideias"). Em ambos os casos partindo da constatação que muito provavelmente uma parte desse eleitorado, pelo menos à 1.ª volta, não votará Cavaco Silva e expressar-se-á através dos votos nulo e branco, até noutras candidaturas, ou pela primeira vez em muitos anos abstendo-se.

Com a deslocação de voto do centro-esquerda a favor de Cavaco Silva parece quase certo este ganhará as eleições folgadamente à 1.ª volta. E por isso a 2.ª volta que seria inevitável com a falta de parte daquele eleitorado não sucederá muito provavelmente. Mas engana-se quem pense que as atitudes acima referidas de não voto na candidatura de Cavaco Silva possam ter origem nos apelos de outros candidatos. As suas origens estão em outro lado: na perplexidade com o desempenho do anterior mandato (a começar na questão do aborto e a terminar na incompreensão de que no diploma sobre o ensino particular o que estava em causa é a liberdade de educação e não um sistema de financiamento), na falta de correspondência entre o perfil humano e o rosto político que esse povo procura e na necessidade de começar um caminho indispensável para o futuro do centro-direita. O fim do voto cuja utilidade só existe para os actuais "donos" desta área política que sempre o dão por descontado e que depois o esquecem na prática política diária.
Ex-deputado do PSD, dirigente de movimentos cívicos

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