O glamour do mundo dos famosos
Público 2011-01-13 Helena Matos
É perturbante a ingenuidade e permissividade das famílias de crianças e jovens perante a sua entrada no mundo da modaDeixando de lado o crime em si para outras vozes, fico-me pelo glamour e desde já esclareço que a única coisa que vejo de interessante e de glamoroso nesse mundo é o que dele resulta, seja esse resultado uma colecção de roupa, um filme ou um espectáculo. Quanto aos protagonistas e bastidores em que se movem, são em geral tão interessantes ou desinteressantes quanto os doutro qualquer sector onde se concebem, produzem e comercializam outros quaisquer produtos. A substancial diferença é que o mundo da moda e do espectáculo recicla, embrulha em papel cor-de-rosa e comercializa em seguida com elevada rentabilidade aquilo que nos outros sectores se esconde e é condenado. Afinal qual é diferença entre o assédio sexual, o consumo de drogas e a prestação de favores sexuais para obter contrapartidas profissionais numa qualquer fábrica têxtil e no dito mundo da moda e do espectáculo? Nenhuma, porque acontece em ambos, mas claro que numa fábrica tudo isso são problemas que há que combater e chagas sociais que há que denunciar, enquanto no tal mundo do glamour não há problemas propriamente ditos mas apenas zangas, discussões e reconciliações entre os famosos.
Desta glamorização do que não só não tem glamour algum, como em muitos casos se aproxima mais daquilo que noutros contextos e com outros protagonistas designamos como ridículo ou sórdido, resulta uma paradoxal tolerância: as mesmas famílias e jovens sempre muito activos na denúncia do trabalho infantil - mesmo que o dito trabalho seja servir umas bicas no café familiar -, que acham que qualquer exigência horária causa traumas irreparáveis no cérebro dos adolescentes e que qualquer palavra menos festiva de um professor é, pelo menos, caso para apresentar queixa por violência psicológica aceitam tudo e mais alguma coisa em troca de um futuro como "famoso" para os seus filhos e familiares. Já se imaginou um professor a falar com os alunos como fazem os membros dos júris dos concursos de talentos? E os meninos perante aqueles destratos transmitidos em directo e colocados online pelos canais de televisão limitam-se a lacrimejar e a garantir que não vão desistir do seu sonho. Se em vez de estúdio a acção decorresse numa escola e o que estivesse em causa fosse a Matemática e não ser famoso, logo uma multidão de sábios garantiria que daquela apreciação negativa e da sua divulgação na pauta escolar nasceria um horror tão justificado quanto irremediável ao simples acto de somar dois mais dois.
É algo de muito perturbante a ingenuidade e a permissividade das famílias de crianças e jovens perante a sua entrada no mundo da fama onde o olhar erotizado sobre os mais novos é mais do que óbvio e onde frequentemente eles valem pela cara e pelo corpo que têm.
Há algum tempo um conhecido meu dizia-me que o filme Torre Bela devia ser obrigatório nas escolas portuguesas, pois após o seu visionamento acabar-se-ia a romantização das utopias socialistas. Não sei se ele tem razão no que à romantização do socialismo respeita, mas quero acreditar que a glamorização do mundo do espectáculo e da fama seria olhada com outros olhos, caso mais gente tivesse visto aquela cena do filme Belissima, de Visconti, em que uma mãe, protagonizada por Ana Magnani, ouve a conversa dos responsáveis pela escolha da sua filha para o papel principal de um filme. Nesse momento ela não viu a sua filha como a via habitualmente - Belissima -, mas sim pelos olhos dos adultos que iam fazer o filme. Ensaísta
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