COM BENTO XVI, REAPRENDER AS COISAS ESSENCIAIS

P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj
Janeiro de 2011

Ainda está muito viva em todos nós a viagem apostólica de Bento XVI a Portugal no mês de Maio passado. Foi seguramente um momento único na história espiritual e humana de Portugal nos últimos tempos. Nessa altura estava no Canadá, a acompanhar uma peregrinação mariana dos emigrantes portugueses na região de Toronto, mas segui todos os momentos através da televisão. Num dos momentos, só me foi possível acompanhar por um canal de língua inglesa e pude registar a surpresa dos comentadores pelo ambiente de recolhido silêncio que acompanhava a viagem apostólica, e ao mesmo tempo pelo vivo e são entusiasmo que a passagem de Sua Santidade em toda a parte provocava. Foi uma lição para todos, o modo como toda a sociedade portuguesa, nas suas diversas instituições, de simples associações e movimentos às mais altas estruturas do Estado, se sentiu mobilizada pelo Santo Padre, dando assim sinais bem visíveis do sentido profundamente humano, cordial e cristão que inspira o nosso modo de ser e estar no mundo.
Meses depois, é bom que aquela chama se mantenha viva e que revisitemos não só aqueles momentos, que agora estão registados em imagem e mesmo em livro recentemente publicado por uma das nossas editoras católicas mais prestigiadas, a Princípia, mas também pela releitura das sucessivas mensagens que nas diversas circunstâncias Bento XVI foi pronunciando.
Foi neste espírito que reli o diálogo de Bento XVI com os jornalistas durante a sua viagem para Portugal, na qual aborda três temas, que de certo modo estruturam toda a sua visita e que ele foi desenvolvendo nos diversos discursos: a situação de Portugal na história e no mundo contemporâneo; a situação da Europa contemporânea no contexto da actual crise; e importância da mensagem de Fátima.
De Portugal, Bento XVI evocava a sua história gloriosa de dar novos mundos ao mundo, sobretudo ter dado ao mundo uma alma profundamente humanista e cristã, mas num contexto de coexistência relativamente pacífica não só do pluralismo decorrente dos novos mundos, de África às Américas e à Ásia, mas também da interligação em muitos momentos dialéctica, da tensão entre racionalidade e fé, tensão que deverá ser mantida ainda hoje como caminho para um futuro humanista e cristão. Bento XVI dizia dirigir-se a Portugal com "sentimentos de alegria, gratidão, por tudo quanto fez e faz este país no mundo e na história, e pela profunda humanidade deste povo…". No contexto de uma cultura aberta como é a do mundo contemporâneo, dizia o Papa ser tarefa de Portugal e da Europa hoje "encontrar este diálogo, integrar a fé e a racionalidade moderna numa única visão antropológica…".
Muito lúcidas foram as suas palavras a propósito de Fátima e da sua mensagem, na qual ele reconhece a indicação dos sofrimentos do Papa e da Igreja, "a necessidade de uma paixão da Igreja…, dos sofrimentos da Igreja que se anunciam. O Senhor disse-nos que a Igreja seria sempre sofredora, de diversos modos, até ao fim do mundo…". Nisto Bento XVI mostrava ser um atento discípulo de Santo Agostinho que escreveu, na Cidade de Deus, que a Igreja peregrina na história entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus. Neste sentido, o que acontece hoje na Igreja, em termos de perseguições cruentas nas pessoas dos mártires ou de calúnias contra a Igreja, está em sintonia com a existência da violência do mal no mundo, a respeito do qual a Igreja representa uma instância crítica, e mal estaria ela verdadeiramente se o mundo, com a qual ela não se pode por natureza identificar, dissesse bem dela.
Mas outra coisa são os sofrimentos e a paixão da Igreja que vêm do seu interior. E aqui muito lucidamente Bento XVI diz, de um modo lapidar, que "a maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja, e que a Igreja, portanto, tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, de aprender por um lado o perdão, mas também a necessidade de justiça. Numa palavra, devemos reaprender precisamente estas coisas essenciais: a conversão, a oração, a penitência e as virtudes teologais".
Esta foi, na verdade, uma das palavras mais fortes de toda a viagem e que marcou o estilo e o tom de toda a viagem apostólica, mas que termina com uma visão ainda mais profunda, pois recorda que "o Senhor é mais forte que o mal, e Nossa Senhora é para nós a garantia visível, materna, da bondade de Deus, que é sempre a última palavra na história".
Aqui, nesta expressão final, vê-se nas entrelinhas como Bento XVI defende uma teologia da história que em parte, pelo conhecimento que tem da Mensagem, colheu na sua leitura. De facto, por duas vezes, encontramos na Mensagem, na versão que a Irmã Lúcia nos legou nas suas Memórias, a afirmação da força de Deus que é mais forte que o pecado do mundo e que o pecado que se pratica no interior da Igreja: Não tenhais medo, a graça de Deus será o vosso conforto. E noutra versão mais mariana: Não tenhais medo, o meu coração será o vosso conforto e o caminho que vos há-de conduzir até Deus.
Então podemos ver que a crise que hoje globalmente envolve o mundo é apenas a expressão de uma crise mais profunda, do esquecimento do que é essencial. E este essencial articula-se, segundo Bento XVI, em torno de dois temas: o necessário reencontro da fé e da racionalidade, sem o qual não há verdadeira humanidade; a necessária reaprendizagem das verdades essenciais: a conversão, a oração, a penitência e as virtudes teologais.
Para nós, para quem o centro espiritual e moral de Portugal se encontra em Fátima, tudo isto representa um desafio, de conhecermos e vivermos a mensagem de Fátima, pois é nestas coisas essenciais, acessíveis aos simples, que ela se concentra.

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