Uma doutrina para o século XXI
PÚBLICO, 04.05.2009, Francisco Sarsfield Cabral
A Doutrina Social da Igreja não é uma inócua enunciação de votos piedosos
Em Portugal, como em toda a parte, a crise global aumenta o desemprego e a pobreza. Mas Portugal já antes da crise contava dois milhões de pobres e era o país mais desigual da União Europeia.
O Estado não pode fazer tudo. A sociedade civil portuguesa é fraca, mas conta com uma apreciável rede de instituições de apoio social. São sobretudo organizações ligadas à Igreja católica, mas também existem instituições laicas e de outras confissões.
Numa altura como esta seria absurdo marginalizar ou pôr entraves a organizações que podem ajudar os pobres. Tratando-se de instituições religiosas, o Estado não pode ceder à tentação laicista que tem aflorado também na área social, na ânsia de monopolizar tudo o que é colectivo. E os programas sociais católicos devem ser financiados, tanto quanto possível, não com dinheiro dos contribuintes, mas pelos próprios católicos, cuja fé implica a solidariedade activa para com os desprotegidos.
A Igreja católica avançou com programas de luta contra a pobreza e o desemprego. Através das suas múltiplas instituições, a Igreja está no terreno, perto das pessoas, conhece os problemas da sua vida e por isso tem condições para intervir com eficácia.
O Evangelho não tem receitas económicas, sociais ou políticas. Mas propõe aos cristãos uma atitude de interesse pela situação dos que sofrem, atitude sem a qual a sua fé não tem sentido. Assim, e para além de iniciativas de solidariedade social, os católicos têm o dever de contribuir para reformar as estruturas económicas e sociais no sentido de um mundo mais humano.
É nesse esforço - que implica, antes de mais, pensamento, estudo, investigação e debate - que se insere o Simpósio que a Conferência Episcopal Portuguesa promove na próxima semana, em Lisboa, sobre "Reinventar a solidariedade". Uma iniciativa enquadrada nas celebrações do 50.º aniversário do santuário de Cristo Rei.
Boa parte do ensino académico tem descurado os problemas da pobreza e das desigualdades, que não são fáceis de resolver - a pobreza não desapareceu dos países mais ricos e as desigualdades aumentaram. Como católico, tenho pena que nas instituições de ensino da Igreja não se tenha lutado mais contra a corrente, pondo maior empenho na sua Doutrina Social.
Esta doutrina (DSI), que é teologia moral, há décadas que critica muito daquilo que, por causa da actual crise, está agora na moda criticar. Por exemplo, a DSI sempre esteve contra o chamado neoliberalismo e a crença de que os mecanismos de mercado, por si só, tudo resolveriam. E, defendendo a globalização como uma oportunidade de progresso, a Igreja tem sido pioneira na exigência de que ela seja politicamente enquadrada, implicando o reforço do direito e das organizações internacionais.
João Paulo II contribuiu para o colapso do comunismo. Mas não consagrou o capitalismo como o paraíso na Terra, criticou também as suas falhas éticas. Numa altura em que aquele colapso e o triunfo do capitalismo levaram muita gente a uma atitude individualista, hedonista e egoísta, de resignação perante os males do mundo - querer mudar o mundo não passaria de uma ilusão de juventude... -, os papas não se cansaram de apelar a um empenhamento activo nessa mudança.
Não faltou quem, dentro e fora da Igreja, tenha encarado a DSI como mera enunciação simpática e inócua de votos piedosos. Música celestial... Hoje, sabendo como se chegou à actual crise, vê-se que não é bem assim. Repare-se como aquela doutrina denuncia a ganância do lucro fácil e rápido, a gestão por meros objectivos de curto prazo, a marginalização do bem comum face ao enriquecimento pessoal, a ausência de solidariedade para com os que vivem mal, etc. Afinal, terem sido desprezados valores defendidos na DSI não deu grande resultado, mesmo em termos meramente económicos.
A Doutrina Social da Igreja não é uma inócua enunciação de votos piedosos
Em Portugal, como em toda a parte, a crise global aumenta o desemprego e a pobreza. Mas Portugal já antes da crise contava dois milhões de pobres e era o país mais desigual da União Europeia.
O Estado não pode fazer tudo. A sociedade civil portuguesa é fraca, mas conta com uma apreciável rede de instituições de apoio social. São sobretudo organizações ligadas à Igreja católica, mas também existem instituições laicas e de outras confissões.
Numa altura como esta seria absurdo marginalizar ou pôr entraves a organizações que podem ajudar os pobres. Tratando-se de instituições religiosas, o Estado não pode ceder à tentação laicista que tem aflorado também na área social, na ânsia de monopolizar tudo o que é colectivo. E os programas sociais católicos devem ser financiados, tanto quanto possível, não com dinheiro dos contribuintes, mas pelos próprios católicos, cuja fé implica a solidariedade activa para com os desprotegidos.
A Igreja católica avançou com programas de luta contra a pobreza e o desemprego. Através das suas múltiplas instituições, a Igreja está no terreno, perto das pessoas, conhece os problemas da sua vida e por isso tem condições para intervir com eficácia.
O Evangelho não tem receitas económicas, sociais ou políticas. Mas propõe aos cristãos uma atitude de interesse pela situação dos que sofrem, atitude sem a qual a sua fé não tem sentido. Assim, e para além de iniciativas de solidariedade social, os católicos têm o dever de contribuir para reformar as estruturas económicas e sociais no sentido de um mundo mais humano.
É nesse esforço - que implica, antes de mais, pensamento, estudo, investigação e debate - que se insere o Simpósio que a Conferência Episcopal Portuguesa promove na próxima semana, em Lisboa, sobre "Reinventar a solidariedade". Uma iniciativa enquadrada nas celebrações do 50.º aniversário do santuário de Cristo Rei.
Boa parte do ensino académico tem descurado os problemas da pobreza e das desigualdades, que não são fáceis de resolver - a pobreza não desapareceu dos países mais ricos e as desigualdades aumentaram. Como católico, tenho pena que nas instituições de ensino da Igreja não se tenha lutado mais contra a corrente, pondo maior empenho na sua Doutrina Social.
Esta doutrina (DSI), que é teologia moral, há décadas que critica muito daquilo que, por causa da actual crise, está agora na moda criticar. Por exemplo, a DSI sempre esteve contra o chamado neoliberalismo e a crença de que os mecanismos de mercado, por si só, tudo resolveriam. E, defendendo a globalização como uma oportunidade de progresso, a Igreja tem sido pioneira na exigência de que ela seja politicamente enquadrada, implicando o reforço do direito e das organizações internacionais.
João Paulo II contribuiu para o colapso do comunismo. Mas não consagrou o capitalismo como o paraíso na Terra, criticou também as suas falhas éticas. Numa altura em que aquele colapso e o triunfo do capitalismo levaram muita gente a uma atitude individualista, hedonista e egoísta, de resignação perante os males do mundo - querer mudar o mundo não passaria de uma ilusão de juventude... -, os papas não se cansaram de apelar a um empenhamento activo nessa mudança.
Não faltou quem, dentro e fora da Igreja, tenha encarado a DSI como mera enunciação simpática e inócua de votos piedosos. Música celestial... Hoje, sabendo como se chegou à actual crise, vê-se que não é bem assim. Repare-se como aquela doutrina denuncia a ganância do lucro fácil e rápido, a gestão por meros objectivos de curto prazo, a marginalização do bem comum face ao enriquecimento pessoal, a ausência de solidariedade para com os que vivem mal, etc. Afinal, terem sido desprezados valores defendidos na DSI não deu grande resultado, mesmo em termos meramente económicos.
Esta crise poderá servir para descobrir novas formas de organização económica, mais fraternas e solidárias, disse há duas semanas o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. Não se trata, decerto, de inventar uma sociedade alternativa, inteiramente nova, como era ambição do marxismo. Trata-se de não excluir os imperativos morais de nenhuma área da actividade humana, a começar pela economia e pelos negócios. E de avançar com iniciativas modestas mas que abram novos horizontes - como é o caso do microcrédito.
Jornalista (franciscosarsfieldcabral@gmail.com)
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