O tolo carrossel das causas
DN 20090504
João César das Neves
Mas esta democratização é uma ilusão. Os grandes jornais e televisões mantêm bem firme o domínio sobre todo o processo. Só se torna nacional aquilo que é adoptado centralmente pelos meios oficiais. A Net apenas substituiu tabernas e cafés como viveiro de causas. Aliás, à medida que a própria Internet se democratiza, até aqueles blogs que durante algum tempo tiveram alguma influência ficarão mergulhados na multi-dão.
O mais curioso é quando um assunto a que ninguém ligou nada durante milénios pretende transformar-se de súbito em decisivo, impondo uma única solução como aceitável, que por acaso ninguém nunca considerou razoável. O casamento dos homossexuais é um extremo destes. Sempre existiu homossexualidade e jamais se viu defender que ela fosse equiparável ao casamento, mesmo em sociedades que lhe foram favoráveis. Agora de repente tornou--se um imperativo da mais elementar justiça. Quem o negar é um bárbaro chauvinista e intolerante, equiparado a nazis, esclavagistas e símbolos do tipo. Chegou-se ao ponto de o tema ser incluído com urgência no programa eleitoral do partido maioritário, que, pelos vistos, foi chauvinista da fundação até há dois meses sem dar por isso.
O mais espantoso é ninguém notar a terrível manipulação que sofre. Nos últimos meses só pandemias já foram duas, uma de aves outra de porcos, ambas terríveis. Devemos andar perturbados por os preços do trigo, arroz e petróleo estarem baixos, como há uns meses devíamos sofrer por eles serem altos. Desde o filme de Al Gore em 2006 andamos aterrorizados com os gases com efeitos de estufa; mas na Cimeira do Milénio de 2000 a questão pungente era a pobreza mundial, que por acaso só se resolve com esses gases. Na Conferência do Cairo de 1994 foi o excesso de população; agora é o envelhecimento, causado pela falta dela.
Todas estas questões são de inegável importância. Mas são muitas, variadas e por vezes contraditórias. Acima de tu- do são-nos alheias e afastam-nos dos reais problemas da nossa vida. É incrível a quantidade de pessoas que vivem projectadas na ficção, lutando por questões longínquas ou abstractas que desconhecem mas julgam reais. Só porque a televisão disse.
João César das Neves
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