Homilia do Cardeal-Patriarca na Vigília da Celebração do Cinquentenário da Inauguração do Monumento a Cristo-Rei


«Reino de Deus, realeza de Cristo na nossa Cidade»
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1. Há cinquenta anos, no cumprimento de um voto, os Bispos de Portugal fizeram erguer numa das colinas sobranceiras à cidade de Lisboa, a Imagem de Cristo-Rei, que abençoa a cidade. A Imagem sugere que essa bênção é um abraço de amor, o amor infinito de Deus pela humanidade, tornado sensível e próximo na pessoa do Seu Filho Jesus Cristo. Deus ama a cidade, era uma convicção de fé já expressa pelos salmistas do Antigo Testamento. Esta imagem, evocando a realeza de Cristo, refere-se explicitamente ao amor infinito do Coração de Cristo, revelado pelo Senhor a Santa Margarida Maria, cujas relíquias estão, nestes dias, entre nós. O Coração de Jesus, mistério inspirador da corrente de espiritualidade que exprimiu o dinamismo de renovação da Igreja, na última metade do século XIX e primeira parte do século XX. A Igreja só se renova se se sentir amada por Deus, em Jesus Cristo; a Igreja é um fruto desse amor criador e transformador.
Como olhamos nós, cinquenta anos depois, para esta Imagem erguida sobre a cidade, de braços abertos para a acolher e proteger? Os símbolos tornam-se vivos se a mensagem que anunciam for acolhida nos nossos corações. Somos nós, os actuais habitantes de Lisboa, que podemos reduzi-la a um miradouro sobre a cidade, se não nos sentirmos amados e protegidos pelo coração de Cristo. Esse é o fruto que desejamos obter com estas celebrações jubilares: reacender nos habitantes desta cidade a força que lhes vem dessa solicitude redentora de Jesus Cristo.

2. Nos habitantes da nossa cidade, são diversas as atitudes perante Jesus Cristo: há um grupo numeroso de crentes que celebram habitualmente a sua fé e acreditam no amor redentor de Jesus Cristo e procuram ser-lhe fiéis na sua forma de viver; há, depois, um grupo de cristãos baptizados, que deixaram de celebrar habitualmente a sua fé, nos quais se foi esbatendo a exigência evangélica na forma de viver, mas para os quais Jesus Cristo é ainda a principal referência de Deus; mas há também os descrentes e ateus e os membros de outras religiões, judeus, muçulmanos, budistas, hindus. A primeira leitura desta celebração do VI Domingo da Páscoa relata-nos um momento de grande revelação ao Apóstolo Pedro: o Espírito de Jesus, expressão do amor com que nos salva, é derramado também nos pagãos, naqueles que não pertenciam ao Povo de Israel. E Pedro exclama: “Na verdade, eu reconheço que Deus não faz acepção de pessoas, mas em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-lhe agradável”. É preciso perceber isto hoje: Cristo abre os braços sobre todos os habitantes da cidade, mostrando-lhes que os ama, dizendo-lhes que os espera e quer fazer, com cada um, uma caminhada de descoberta da vida. A procura de Deus é, hoje, mais frequente do que se pensa, na nossa cidade. A todos Ele diz: não tenhais medo; vinde a Mim todos vós que andais à procura, os que sofreis, os que estais aflitos com as dificuldades da vida, e Eu acolher-vos-ei, vos darei a força para caminhar. Quem sabe! Talvez de muitos corações silenciosos brote uma prece e um pedido de auxílio quando olham esta Imagem de Cristo Redentor. Os habitantes da grande Lisboa têm essa particularidade: não precisam de entrar numa Igreja para rezarem diante de uma imagem do Coração de Jesus. Toda a cidade se transformou num templo, onde só não sente o amor de Cristo quem não quer.

3. Esta Imagem do Coração de Jesus foi apresentada com a designação de Cristo-Rei. Esta designação, uma das que apresenta a relação de Cristo ressuscitado com a cidade dos homens, lembra-nos temas queridos do Evangelho e das Cartas Apostólicas: o Reino de Deus e a realeza de Jesus Cristo.
O Reino de Deus ou Reino dos Céus, é tema central na pregação de Jesus. Anuncia o homem novo e o mundo novo, iniciado na sua ressurreição, por nós participada, e terá a sua perfeição definitiva na plenitude escatológica. A presença da Igreja na cidade coincide com esse brotar do Reino de Deus em cada tempo, no concreto da vida dos homens. No Sermão da Montanha, Jesus enumerou as atitudes do coração, para se começar a viver o Reino de Deus: um coração de pobre, não escravizado à ganância do ter; um coração puro que procura a justiça; um coração construtor da paz; um coração de criança, resume o Senhor. Quem não for como elas, não pode acolher o Reino de Deus.
É este irromper do “mundo novo” pela conversão do coração, que é o Reinado de Cristo, reino de justiça, de amor e de paz. Perante Pilatos Jesus declarou: Eu sou Rei, mas o meu reino não é deste mundo. O Senhor não quis dizer que ele não acontece neste mundo, mas que não se edifica com os critérios do mundo. São Paulo, nas suas Cartas, prefere falar da “Senhoria” de Jesus Cristo; Ele mostra que é Senhor porque é a fonte do amor, da vida, da felicidade. O seu exercício da realeza não é atitude de quem governa ou domina, mas de quem suscita a vida, fortalece os indecisos, alimenta todas as chamas de amor autêntico. Os textos do Apóstolo São João, lidos nesta celebração, situam bem a natureza deste reino: suscitar o amor, fazer crescer o amor, alargar as fronteiras do amor. Há na nossa cidade muita gente que ama, corajosamente, silenciosamente. Unidos a Cristo, também eles abraçam a cidade. Ao contemplarmos a Imagem de Cristo-Rei, podemos ter um olhar de esperança e um sentido positivo sobre a nossa cidade, onde o que aparece e é mais publicitado são os egoísmos, as violências, a incapacidade de fazer e viver em comunidade.

4. Como há cinquenta anos temos connosco a Mãe de Jesus, na sua imagem, a mais amada hoje pelos portugueses. Maria foi a primeira criatura em que se afirmou plenamente a realeza de Cristo, Ele que era, ao mesmo tempo, seu Filho e seu Deus. O seu coração foi o mais puro de todas as criaturas; obedeceu com a confiança dos pobres e abraçou, com amor maternal, esse grande dinamismo do Reino de Deus a germinar, a partir da ressurreição de seu Filho. É porque abraçou, sem reticências, nem limites, o projecto do Reino de Deus, que ela é nossa Mãe e a sua missão só estará terminada quando, no fim de tudo, Cristo reunir na Casa do Pai, a humanidade nova, os “novos céus e a nova terra”.
Ficai connosco, Senhora. Ao pedir-Vos que estivésseis hoje aqui, manifestamo-Vos o desejo de que fiqueis sempre connosco. Ao sentirmo-Vos connosco, temos mais a certeza de que o Vosso Filho abraça esta cidade. Ensinai-nos e ajudai-nos a fazer crescer o seu Reino nesta cidade dos homens.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
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Documentos | D. José Policarpo|
16/05/2009 | 18:00 | 6463 Caracteres

Comentários

Anónimo disse…
Pena o Patriarca ter omitido a razão de ser do voto, o autor da ideia que mobilizou a comunidade católica que propagou e desenvolveu a acção que tornou possível a construção de um monumento daquela envergadura sem recurso a dinheiros públicos. Teria sido uma referência histórica interessante.

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