Liberdade, valores e a lei do vale tudo
PÚBLICO, 15.05.2009, José Manuel Fernandes
Há alturas em que até o PCP tem mais bom senso do que o PS. Mas não todo o PS: na Comissão de Educação, dois socialistas votaram com a oposição para aprovar uma emenda razoável do PCP à lei sobre Educação Sexual nas escolas
Não é habitual o disciplinado grupo parlamentar do Partido Socialista dividir-se numa votação ao ponto de a perder. Mas foi exactamente isso que aconteceu na quarta-feira na Comissão de Educação do Parlamento. Dois deputados do PS votaram favoravelmente uma proposta de alteração do PCP à lei relativa à educação sexual nas escolas. O PS queria que uma das finalidades da lei fosse "a promoção de igualdade de género" e o PCP, que apesar de tudo ainda não perdeu o contacto com a realidade, preferia "a promoção da igualdade entre os sexos". Dois socialistas trânsfugas permitiram que a proposta de alteração do PCP passasse.
Dir-se-á: e que importância tem isto? Reconhecer um facto elementar: se as leis devem reflectir, na medida do possível, a evolução do sentimento da sociedade, é fácil perceber que qualquer cidadão sabe o que é a igualdade entre os sexos mas a esmagadora maioria dos portugueses não entenderia, mesmo dando-lhe aulas, essa noção "moderna" e muito politicamente correcta que, para além dos sexos masculino e feminino, para além do reconhecimento de que existem diferentes orientações sexuais, pretende abranger tudo isto e mais algumas situações de raríssima ocorrência em diferentes categorias agrupadas sob a noção de género.
É certo que o termo não terá desaparecido completamente da lei, mas a verdade é que esta tem um alinhamento curricular muito disparatado e pressupõe que a escola deve ter um "papel imperioso", se bem que "complementar", "em matéria de educação sexual, uma vez que os jovens portugueses e europeus passam cerca de dois terços do dia na escola". Sem discutir este "pormenor" do "dois terços do dia", a verdade é que a abrangência do documento subverte a noção de complementar e, como notou recentemente no blogue da Sedes Fernando Adão da Fonseca, se a lei define "como fundamental a participação dos pais nas diversas fases dos programas de educação sexual nas escolas, subentendo que cabe aos pais colaborar com as escolas para o êxito da educação sexual definida pelo Estado, quando o contrário é que estaria correcto".
É que, mesmo assumindo que é verdade que 50 por cento dos filhos nunca falaram com os pais sobre sexualidade, e 30 por cento nem sequer com as mães, há uma grande diversidade de pontos de vista sobre a forma como as crianças, os adolescentes e os adultos devem viver a sua sexualidade. Mais: a lei não pode deixar de ser vaga, pois não é criada qualquer cadeira específica, deixando por isso uma enorme margem para que valores muito diferentes sejam transmitidos de escola para escola.
Nada de mal, pelo contrário, haveria nesta diversidade não ocorresse o facto de, no nosso sistema de ensino, serem mínimas as possibilidades de os pais escolherem a escola dos seus filhos a não ser que a paguem do seu bolso, optando pelo ensino privado, ou aldrabem no local de residência. Sem esta liberdade de escolha, fecha-se o ciclo que, na prática, transfere para a escola e para os professores a direcção da educação sexual, numa violação da Declaração Universal dos Direitos do Homem onde se estabelece de forma clara a primazia dos pais na escolha do género de educação a dar aos filhos (art. 26.º).
Sem liberdade de escolha, e passando as crianças e os jovens "dois terços do dia" na escola, na prática os valores morais, no que diz respeito à sexualidade, que lhes serão transmitidos dependerão dos currículos escolares e não da escolha livre dos pais, em especial de todos os pais sem meios para colocar os seus filhos numa escola cujo projecto educativo coincida com os seus valores - o que é verdade tanto para os que defendem a importância das relações estáveis como para os que acham que os seus filhos devem praticar o amor livre.
Daí a sensatez de, ao menos, apesar da vontade do PS, a maioria da Comissão Parlamentar tenha tido a sensatez de se referir ao que é consensual - a defesa da igualdade entre os sexos -, em vez de se aventurar por terrenos muito "modernos", mas incompreensíveis para a maioria, como a noção de "género", uma construção teórica cujo valor varia conforme as escolas de pensamento mas se distancia da separação clara que resulta de ter dois cromossomas XX ou um cromossoma Y e outro X.
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