Que S. Nuno de Santa Maria nos perdoe a todos.
J. Filipe Lamelas
(26.04.2009 - Almada)
Infovitae, 20090527
Será que é demasiada ousadia dizer que não seríamos este rectângulo se ele não existisse? Não seríamos uma outra coisa qualquer que não Portugal? Orgulhosamente nós!? Seu génio de militar estratega, liderança unanimemente aceite e desejada, levou esta lusitana gente às vitórias mais impensáveis na peleja das armas, aliadas à diplomacia sábia e carismática. Um homem de missão, vivendo tudo em cada coisa em que a sua vida se fazia. Uma vida em que tudo tinha de ter sentido e coerência. A paz tinha que ter sentido como a guerra tinha de ser um mal absolutamente menor. Nada o demovia das causas justas. E quando uma dessas enormes causas sua foi Portugal, ei-lo cerrando fileiras com a bandeira das quinas, montando as mais sofisticadas estratégias e tácticas belicosas da altura (aliando seu génio militar, a uma fé inquebrantável num Deus que lhe seria justo por a suas batalhas sempre nascerem de causas justas). Fazia com a máxima devoção tudo o que fazia. Por isso vencia. E havia tempo para tudo, não dispensando o tudo em cada coisa. Ouvia os que o rodeavam e que com ele ousavam, mas nunca, em circunstância alguma, dispensava os silêncios conselheiros que ouvia misticamente na sua cela (cela de que nunca prescindiu mesmo que no meio da balbúrdia ensurdecedora das espadas cortantes e dos gemidos agonizantes dos que caíam, de cá ou de lá) implorando o caminho certo ao Deus das cinco chagas.
Este homem que com a sua espada e um punhado de companheiros valorosos desenharam definitivamente as linhas de terra que nos sobrou de uma diáspora em que o sol nunca se punha. E, depois de tamanha obra levantada (com sangue suor, lágrimas e aparições celestiais) optou pelo quase nada de uma cela de ermitão do carmelo dizendo NÃO ao império dos sentidos que os grandes do reino justicimamente lhe quiseram ofertar. Às honras de títulos disse: NÃO. À imensidão de terras conquistadas disse: NÃO. Terminada a sua missão na terra portuguesa foi continuar a sua missão entre os sem-terra e coisa nenhuma…que até o soberano do poder temporal se envergonhou (e impediu) que andasse nas ruas de Lisboa pedindo pão por Deus! Podendo ter tudo aqui na terra, tudo deixou para os que ficaram famintos da cobiça humana e foi atrás do pão do céu e a sede matando-a de infinito.
Eis o Santo Condestável, que o povo cedo logo apregoou por todas as terras de Portugal. E aí o temos nos altares de Roma e mundo fora (que nem sei se isso queria, tal a humildade nazarena do seu ideal de homem peregrino rumo à cidade de Deus). Roma decidiu, finalmente, e Portugal tem nos altares o herói que muito cedo na escola aprendi a admirar, mas que, receio bem que as gerações que agora pisam o chão das nossas escolas, tenham alguma ideia da enormidade desta multifacetada personagem da nossa história e, agora subido á adoração dos altares do mundo cristão.
É simplesmente confrangedor que, o homem que nos devolveu a independência, quase a saque de Castela, não tenha sido lembrado pelo povo por que tanto lutou! Temos esse defeito de não amarmos o que é nosso! De não cuidarmos de tantas coisas boas que temos e fizemos ao longo de tantos séculos de história por que Portugal se fez.
Que se passa com os portugueses? Que cultura queremos? Que heróis queremos? Que ideais queremos deixar aos nossos filhos? Se S. Nuno de Santa Maria fosse francês, americano, ou inglês, quantos livros escolares e outros, quantos filmes empolgantes, peças teatrais, debates, homenagens parlamentares, e estátuas nas praças públicas? Não conheço tema tão empolgante de nobreza de humanidade como este homem santo e bem português!
Quantas escolas de Portugal aproveitaram a canonização do nosso herói e santo, para ensinarem aos alunos estes referenciais de homem pleno dos mais nobres valores? Que fez o Ministério da Educação, Cultura e outros legítimos responsáveis, aproveitando o momento da visibilidade interna e externa desta canonização? Era tão fácil pôr as crianças e jovens a fazerem trabalhos (ao nível de cada um e de cada circunstância em que estivessem) sobre este magnífico personagem. Na história portuguesa, que é singularmente longa, contam-se pelos dedos de uma mão as figuras públicas que, tendo servido a causa pública (mais ou menos empolgantemente) se afastou de cena definitivamente…e sem delapidar Portugal?! O último santo português fez isso, e de tal forma que nem conheço algo que se aproxime sequer de tamanho despojamento da vã glória das luzes da ribalta! Em Roma apenas se ouviam a chilreada de uns quantos bravos escuteiros e muito pouco mais…
A ingratidão dos homens tem destas coisas. Empanturraram-nos com as habituais e fastidiosas cerimónias do 25 de Abril, recordando, merecidamente, os que nos proporcionaram um bocadinho mais de liberdade (não de democracia, pois essa só existe se houver justiça social…e essa não existe agora, como dantes não existia). No dia seguinte, o dia da consagração eclesiástica do maior herói nacional (que nos deu a liberdade de sermos orgulhosamente portugueses, a nação que ele salvou da pilhagem gentia) ninguém foi capaz de sair á rua engalanado por tão simbólico momento histórico. Finada está a nação que não conhece ou reconhece e homenageia os seus ícones à altura da sua grandeza!
Em momentos tão difíceis como os que o mundo, e particularmente nós portugueses, está a viver, são os marcos desta memória colectiva de nobreza de ideais, que devem ser trazidos e enaltecidos para o nosso quotidiano triste, enfadonho e vazios, a fim de todos encontrarmos algum sentido para as nossas vidas. São os homens e santos com a fibra destes que nos fazem acreditar que o sonho é sempre possível, por mais espinhoso que possa ser o caminho presente. Como eles venceram, e nas dificuldades em que mantiveram a bandeira da esperança no ar, também nós podemos vencer. Os nossos heróis e santos conseguiram, por isso, também nós podemos conseguir. Yes we can! São estas oportunidades, de retirarmos lições lindas e fortes da nossa história, que constantemente desperdiçamos, e desta vez de uma forma absolutamente cretina e ingrata.
Que S. Nuno de Santa Maria nos perdoe a todos e ilumine os homens e mulheres da nação em que tão convictamente acreditou e por que heroicamente combateu.
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