Será que um dia vai ser a Sonangol a mandar em nós?
PÚBLICO
04.08.2008, José Manuel Fernandes
Vale a pena comparar a estratégia de duas grandes empresas privadas, o Santander e a Jerónimo Martins, com a do Estado português no seu relacionamento com alguns parceiros menos recomendáveis
O Banco Santander, que há duas décadas não seria maior do que o nosso BCP antes da crise, é hoje, de acordo com diferentes parâmetros, ou o primeiro ou o segundo maior banco, considerando a Europa e os Estados Unidos. A nível mundial, só perderá para bancos chineses ou que têm a sede na China. Isto depois da crise do sub-prime.
Contudo, o Santander vai sair da Venezuela, onde há pouco mais de dez anos tinha adquirido um banco importante. Primeiro tentou vendê-lo a investidores privados, mas o Governo de Chávez não autorizou. Agora deve vendê-
-lo, sem estados de alma, ao próprio Governo. E compreende-se porquê: um grupo como o Santander dá-se mal em ambientes políticos como o que hoje se vive na Venezuela.
Em Portugal, também há grupos assim. Um deles é o Jerónimo Martins. Esta semana anunciou resultados surpreendentes (por serem bons), e confirmou que, em volume de negócios e em resultados operacionais, a Polónia já é responsável por mais de metade dos bons resultados. O que levou o grupo a começar a estudar atentamente a hipótese de alargar as suas operações à Ucrânia, depois de ter realizado prospecções de marcado na Roménia e na Rússia. A razão por que esses dois países ficaram para trás, sobretudo a Rússia, é porque lá não há, verdadeiramente, um estado de direito. Ou seja, impera a corrupção.
E Angola? Porque não vai a Jerónimo Martins para Angola, a "menina bonita" de tantos investidores? A resposta de Alexandre Soares dos Santos foi cortante: "Lá só há os muito ricos e os muito pobres, o dinheiro do petróleo fica só nas mãos de alguns. De estado de direito nem se pode falar e, para mais, não há estradas decentes, não há logística, não há garantia de que pudéssemos servir os clientes". De resto, não acredita que o grupo vá tão depressa para África.
Assim agem duas empresas cujo sucesso, nos seus países de origem e naqueles para onde cresceram, nunca acreditaram que fosse pela mão dos governos que se devia, ou mesmo podia, crescer.
Vale a pena sublinhar, neste domínio, as políticas de dois grupos que escaparam à crise mundial, pois os seus resultados são inversamente proporcionais à sua propensão para actuarem em ambientes onde a lei geral se sobrepõe aos jogos e às arbitrariedades políticas. Ambientes como os da Venezuela e de Angola, recentes destinos de embaixadas portuguesas encabeçadas ao mais alto nível.
A diferença de atitudes não surpreende: naqueles dois grupos familiares, o que contam são os resultados a longo prazo; na política, o que conta é, com demasiada frequência, o que faz até ao próximo acto eleitoral.
No caso português, algo, no entanto, tem vindo a tomar dimensões que podem ir muito para lá das próximas eleições. Referimo-nos ao peso que Angola, através de empresas directamente controladas pelo Estado e pelo Presidente José Eduardo dos Santos, tem vindo a ganhar em empresas estratégicas portuguesas. No BCP, a Sonangol, que explora o petróleo angolano e cujos bolsos parecem não ter fundo, tornou-se em menos de um ano no principal accionista. É possível que continue a reforçar a sua posição num banco cuja administração está, neste momento, altamente politizada.
Mais inquietante é o que pode passar-
-se na Galp, com a quase inevitável saída dos italianos da ENI (trazidos, é bom recordá-lo, pela mão de Pina Moura) e a venda de mais sete por cento do capital ainda nas mãos do Estado. O PÚBLICO referiu que isso poderia levar ao reforço das posições do Grupo Amorim e da Sonangol na Galp, sendo que é esta última que terá o capital para investir. O Diário Económico referia, por seu turno, que é público que "Américo Amorim gostaria de reforçar o poder da Sonangol na estrutura accionista, e de ensaiar uma aproximação aos russos da Gazprom, eventualmente com uma entrada no capital".
Com a Sonangol a reforçar no BCP e na Galp e a russa Gazprom a entrar na Galp é certo que ficaríamos de bem com alguns dos senhores do petróleo - ficaríamos de bem mas também ficaríamos nas suas mãos. Será que isto não faz diferença nenhuma quando? Será que, por em "diplomacia económica" não se olhar à cor do dinheiro, ninguém se deve preocupar com os interesses estratégicos de médio e longo prazo de Portugal e dos portugueses, que passam por saber quem manda nas nossas maiores empresas?
Emilio Botín, do Santander, e Soares dos Santos, da Jerónimo Martins, são homens de negócios e talvez valha a pena perceber que, nas suas opções, conta sempre a estratégia de longo prazo. Não deveria isso ser ainda mais importante quando de decide o destino de um país?
Comentários
Agora é bom ouvir quando a Galp cresce e tem mais lucros, é bom ouvir que o BCP superou a crise.
O que nôs angolanos queremos é o respeito de Portugal e dos portugueses, e que quando pensarem em Angola e nos Angolanos tenham em atenção que nôs somos superiores aos outros Palops porque nôs controlanos activos importantes em terras lusas.
Um bem haja para todos os portugueses e para todos os angolanos, juntos somos mais fortes.