A meia decepção olímpica

António Pinto Leite
Expresso, 080823
Se queremos um Portugal vencedor, alinhado pelos primeiros, é virtuoso colocar o país sob desafio, sob pressão, sempre
As derrotas ensinam mais do que os sucessos.
A meia decepção olímpica portuguesa, salva por Nelson Évora, traz lições a que vale a pena prestar atenção. A competição olímpica é um contexto especial, mas não é totalmente estranha à competição do mundo de hoje.
Em primeiro lugar, Portugal está mais rico. Houve mais apoios, apoios que nunca houve, e houve mais atletas a ter a sua oportunidade.
Não se pode dizer que o Estado não melhorou o seu desempenho. Todavia, comparando com o desempenho de outros Estados, Portugal, melhorando, ficou para trás, mais para trás.
A lição moderna é esta: melhorar não é suficiente no mundo global. A palavra-chave é alinhamento, estarmos alinhados com o que de melhor se faz. Se não, perdemos.
Em segundo lugar, o contexto que envolveu os nossos atletas, incensados, e o ambiente festivo fazendo crer que iríamos a Pequim apenas levantar as nossas cinco medalhas, que estavam, aliás, contratadas em ‘Diário da República’, foi um erro.
Já aquele tristíssimo e suicidário passeio triunfal do centro de estágio de Alcochete para o Estádio da Luz, antes da final do Euro-2004, só podia ter acabado na vitória da Grécia, ou fosse qual fosse o nosso adversário.
A lição é esta: se queremos um Portugal vencedor, alinhado pelos primeiros, é virtuoso colocar o país sob desafio, sob pressão, sempre. O desígnio português nasce da exigência, não da festa. A dificuldade aguça-nos o engenho, a glória amolece-nos o carácter. Encontramos estímulo no impossível, desconcentramo-nos com a euforia.
Mesmo os portugueses verdadeiros campeões - e houve muitos em Pequim, como a infelicíssima Naide Gomes - acabaram envolvidos por esta subtil teia de desconcentração. No instante decisivo, mordeu-lhes o bicho invisível da fantasia e da excitação e daí a trocar os passos é um pequeno nada. Salvou-se Nelson Évora, na sua missão impossível de carregar a frustração nacional às costas.
Finalmente, Pequim foi um exercício fascinante de concorrência à escala global. Evidenciou bem como o caminho de todos os povos tem cada vez mais oportunidades e cada vez mais dificuldades. E evidenciou como as virtudes dos povos irão ser determinantes no seu sucesso ou no seu fracasso. Veja-se o sucesso da China e, ao lado, o fracasso do outro gigante, a Índia.
É a última lição: a globalização é um campo aberto, com oportunidades que a humanidade jamais gerou. Uns vão vencer, outros vão perder. Povos hoje em igualdade chegarão a resultados diferentes.
A globalização é a maior escola de mérito jamais criada. Portugal deve entender isso e fazer o que tem a fazer para estar entre os melhores. Há milhares de campeões em Portugal a lutar para isso.

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