Insegurança, impunidade e balda

Expresso, 20080830
Henrque Monteiro
hmonteiro@expresso.pt

A insegurança tem várias origens. Uma delas reside no modo como a nossa Justiça e a nossa polícia lidam com os pequenos crimes e as pequenas infracções. Nenhuma sociedade se sente segura quando imperam a ‘balda’ e o ‘não te rales’
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Subitamente - e com a prestimosa colaboração da comunicação social, como é inevitável nos tempos que correm - a sociedade descobriu que tinha um problema de insegurança.
O problema é real, mas já o é há anos e vai continuar a sê-lo por muitos outros; mas o sentimento é sazonal - basta haver outro tópico na agenda e lá se esquecem os assaltos e as vítimas para se encher páginas de assuntos diferentes. Como dizia Guterres, é a vida.
Desde que, em 2000, Fernando Gomes, então ministro da Administração Interna, caiu devido a uma onda de insegurança, até Março deste ano, quando os assaltos na linha de Sintra pareciam descontrolados, que as ondas passam e as coisas aparentam voltar à ‘normalidade’. É, pois, também sobre esta ‘normalidade’, que parece não preocupar ninguém, que devemos debruçar-nos, de modo a evitar estes sucessivos surtos de insegurança. E esta ‘normalidade’ é bastante sombria.
Se olharmos, sem preconceitos, para o que se passa à nossa volta, mesmo quando ninguém fala de assaltos a bancos, de «carjacking» ou de outros crimes violentos, verificamos que a cultura portuguesa é desculpabilizadora. A polícia desculpa, os magistrados desculpam, o poder político desculpa.
Começa nas pequenas coisas. No estacionamento em segunda fila nas cidades, nos peões que não passam nas passadeiras, nos jovens que pintam paredes, nos noctívagos que transformam bairros de Lisboa em urinóis. O perdão generalizado continua em assuntos mais sérios: no «ecstasy» que se vende à porta das discotecas, nas linhas de coca com que os «dealers» abordam transeuntes, com os bandos de marginais que atemorizam quem passa nas ruas.
Estes pequenos incidentes não são combatidos, são desculpados. Nalguns casos, a polícia e os guardas fazem que não vêem ou não sabem. Noutros, magistrados não lhes dão importância, convictos de que apenas os grandes crimes importam. E assim cresce o sentimento de impunidade. Até ao inimaginável: roubar um multibanco dentro de um Tribunal.
Por mim, apoio os esforços e as preocupações de todos no combate ao crime. Mas acharia melhor ideia chegar-se a um acordo contra as sucessivas desculpas. Não vale a pena prometer grandes feitos, nem cercar bairros só para dar a ideia de que se está a fazer qualquer coisa. Acabe-se com a impunidade.
Para isso, é necessário uma nova mentalidade. Principalmente nas polícias e nos magistrados. E, claro, também nos políticos que lhes balizam a acção.

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