O aquecimento global migrou?

PÚBLICO

26.08.2008, Helena Matos

Desde os maremotos ao comércio de bolos no Algarve tudo mas tudo foi explicado e imputado às alterações de clima

"Os Verões espanhóis transformar-se-ão em tsunamis de calor, a costa norte vai tornar-se mediterrânica, o Sul dará lugar a um deserto (...). Em resumo, a Espanha africanizar-se-á." Este retrato desolador do que será a Espanha dentro de algumas décadas foi feito a José Luís Zapatero, no final do ano passado, por um grupo de peritos. Por cá começámos 2008 com avisos sobre o Verão que nos aguardava e que, afiançava-se nos jornais e televisões, "seria o mais quente dos últimos 25 anos". Na verdade, nem sequer tem sido um Verão suficientemente quente para que se lhe possa chamar Verão.
A questão das alterações de clima ou se se preferir do aquecimento global ocupou, nos últimos anos, um espaço de fé que a descrença e o abandono das igrejas deixara vazio. (Jornais como o PÚBLICO usam mesmo o termo céptico para classificar Martin Durkin, que pôs em causa os dados apresentados por Al Gore no filme Uma Verdade Inconveniente.)
Desde os maremotos ao comércio de bolos no Algarve tudo mas tudo foi explicado e imputado às alterações de clima. Em Portugal, à semelhança do sucedido noutros países, os investigadores do clima foram quase postos à margem da discussão, pois a cautela das suas declarações não se compadecia com as certezas universais que dia a dia se arreigavam neste assunto. No início de 2008, declarações como as que João Corte-Real, professor catedrático de Meteorologia da Universidade de Évora, fez ao Expresso ainda iam em absoluta contracorrente mediática: "Acho que não vai haver qualquer catástrofe, e, se estivermos, de facto, a viver uma alteração climática à escala planetária, que vai certamente bulir com os nossos hábitos e com muitas das nossas actividades, saberemos encontrar soluções para enfrentar essa situação. Falar em catástrofe não é científico, não é humano, é uma forma primitiva de apresentar as questões."
Contudo, de Fevereiro até agora o assunto foi esmorecendo. Certamente que o facto de o Verão ter sido decepcionantemente fresco contribuiu para tal. Mas convenhamos que a China também deu o seu contributo decisivo. Desde que a China ultrapassou os EUA como maior emissor mundial de CO2 que a questão da responsabilidade dos países nas alterações de clima perdeu parte do seu interesse mediático. Mas seja como for e por que razão for a verdade é que o aquecimento global está a perder a sua força enquanto motivo do apocalipse previamente anunciado. Entretanto muita coisa mudou. A energia nuclear, por exemplo, tornou-se "amiga do ambiente", "limpa" e, claro, eficaz no "combate ao aquecimento global". Em Portugal a construção duma central (ou mais do que uma, pois, como Al Gore explicou a Manuel Pinho, aquando da sua visita ao nosso país, não faz sentido construir apenas uma central) é reivindicada por associações empresariais. Dos partidos chegam também vozes de apoio a esta opção. Dos resíduos gerados pelo nuclear não se fala. Afinal a mesma histeria que levou a que num passado não muito distante se exigisse o fecho de todas as centrais, sobretudo as mais seguras de todas, ou seja, as europeias e norte-americanas, leva agora a que, em nome das alterações climáticas, se subestimem esses mesmos riscos.
Quem sabe para o próximo ano o Verão é quente e aí começamos a perceber o que queria dizer o professor Corte-Real, quando nos tentou explicar que o clima "não é uma constante, é por natureza variável, e o planeta terra já foi sujeito a alterações climáticas no passado, para climas mais quentes e mais frios (...). Temos de nos adaptar ao tempo que enfrentamos e tomar medidas eficazes. Só que estas medidas podem ser dispendiosas e os governos, como os fenómenos não acontecem todos os anos, vão esquecendo essas medidas ou têm dificuldades financeiras e, portanto, vão adiando a solução." Nunca nada de mais acertado se disse sobre este assunto. Jornalista

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- O que têm em comum as freiras clarissas de Besançon, os transeuntes da Avenida dos Aliados e os comerciantes do Mercado 2 de Maio da cidade de Viseu? Um conflito com arquitectos. Mais precisamente com grandes arquitectos ou com aqueles que, após a sua morte, dizem defender a sua obra. As freiras clarissas pretendem construir um convento nas proximidades da capela de Ronchamp, uma das obras mais conhecidas de Corbusier. Mas para muitos dos admiradores de Corbusier tal construção representa um atentado à obra do mestre. As freiras encomendaram o projecto do convento a outro grande arquitecto, Renzo-Piano. Este literalmente propõe-se enterrar o convento e as clarissas num declive para evitar não tanto que a sua presença perturbe Deus, mas sobretudo que não atraia sobre si a ira dos admiradores de Corbusier. Mesmo assim tanta humildade não parece ser suficiente e discute-se se a colina de Ronchamp é terra sagrada, arquitectonicamente falando claro.

Já na cidade do Porto temos Siza Vieira declarando-se triste por ter sido pressionado pela autarquia a colocar bancos na Avenida dos Aliados.

Em Viseu, no Mercado 2 de Janeiro gela-se no Inverno, derrete-se no Verão e espera-se que o autor da obra aceda a alterá-la de modo a torná-la utilizável. A lista dos conflitos é grande e dela também fazem parte muitos bairros sociais onde, longe das exigências do mercado, algumas equipas de arquitectos deram largas a uma concepção dos seus concidadãos próxima dos bonequinhos que lhes animam as maquetas: figuras virtuais cujos interesses, gostos e necessidades não contam para nada.
Receando ser chamado ignorante e percebendo a boa imprensa que vem sempre associada ao convite a um grande nome da arquitectura, o poder encomenda com pompa e circunstância muitos destes projectos, subestimando que a sua intocabilidade leva a situações bizarras, como aquela que ocorre na insuportável Gare do Oriente que Calatrava concebeu certamente a pensar no Dubai e não em Lisboa. E, contudo, se toda a parafernália legal que criámos para supostamente defender as obras e os direitos dos seus autores já existisse no passado, não só hoje não viveria ninguém em cidades como Atenas ou Roma, como nem se percebe bem quando teriam ficado paradas no tempo estas cidades, pois aquela profusão de cúpulas, palácios, ruínas romanas e prosaicos prédios de habitação jamais passaria no nosso crivo actual.
- Ontem soube-se que graças a "imprevistos existentes no subsolo" a ligação entre as estações do Saldanha a São Sebastião, do metro de Lisboa, orçamentada em 196 milhões de euros nos vai custar 240 milhões. Dada a dimensão da derrapagem desta e de qualquer outra obra pública que envolva o subsolo de Lisboa - na ligação ao Terreiro do Paço os orçamentados 165 milhões passaram a 299 milhões - é de crer que o monstro Cila sobrevive debaixo dos nossos pés e faz agora rodopiar os orçamentos tal como no passado sacudia os barcos e fazia desaparecer os marinheiros, contemporâneos do nosso antepassado Ulisses.
Infelizmente os "imprevistos existentes no subsolo" da capital não se limitam a exponenciar os orçamentos, como bem prova o grotesco caso do cemitério de Carnide. Adjudicado, em 1991, era então presidente Jorge Sampaio, à empresa Mota & Companhia por 5 milhões e meio de euros, seria terminado muito depois do previsto e custou-nos o dobro do orçamentado. Até aqui nada de novo. O que é de estarrecer é que, sendo este cemitério o primeiro e único construído na capital no século XX, seja também o único em que a escolha do terreno se revelou um erro colossal, pois "imprevistos existentes no subsolo" impedem que os 10 mil cadáveres humanos ali enterrados se decomponham. O destino desses corpos é tão incerto quanto o das viaturas que PSP despeja nos terrenos que deviam ser do cemitério de Carnide. Com a vantagem para o cemitério de automóveis que ali tudo corre a céu aberto, logo sem imprevistos no subsolo.

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