A TERRÍVEL TENTAÇÃO CAPITALISTA

Diário de Notícias, 080804

João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Vivemos na sociedade mais criticada e desprezada da História. Relativamente ao nosso sistema consumista, capitalista e mercantil todos, dentro e fora dele, têm severas censuras. O aspecto curioso é que em geral os reparos passam ao lado do real problema, mencionando aspectos secundários e falsos e omitindo os defeitos graves.

Os violentos ataques à sociedade ocidental podem resumir-se em dois pontos fundamentais. Primeiro, o sistema gera grave pobreza e miséria, não só dentro, mas sobretudo nos países subdesenvolvidos. Segundo, a sua evolução não é sustentável e, através da destruição do ambiente, virá a arruinar a humanidade e o planeta. Em múltiplas versões, a grande maioria das críticas actuais reconduz-se a estas duas.

Estas afirmações começam por ser, em grande medida, objectivamente falsas. O sistema capitalista é o responsável pelo maior alívio de pobreza e miséria que a História alguma vez viu. Por outro lado os países onde persiste a antiga pobreza são precisamente aqueles que não adoptaram o capitalismo. Quando o fazem, como estamos a ver, a pobreza reduz-se drasticamente. Não há dúvida que as condições de vida de todas as classes sociais, sobretudo as mais desfavorecidas, melhoraram imenso com o desenvolvimento. O mundo não é perfeito e sempre haverá pobres que muito sofrem mas, apesar de tudo, eles vivem muito melhor que os nossos antepassados.

No que toca à ecologia, só o sistema ocidental chamou a atenção para o problema e lhe tem dedicado um montante crescente de recursos, com importantes resultados. Com o progresso o homem aprendeu a respeitar a Terra, um grande sistema forte e resistente, com quem interagimos. Apesar de décadas de relatórios alarmistas, o ambiente continua a resistir. A única maneira de obter um desenvolvimento sustentável é através do sistema capitalista, não contra ele.

Estas duas críticas devem-se mais ao mito ideológico que à realidade. Além disso os ataques ao sistema ocidental só são possíveis nesse mesmo sistema. Os críticos e activistas da subversão e contra-cultura não só vivem dele, mas usam abundantemente os meios que o próprio regime lhes disponibiliza. Por vezes com resultados contraditórios. Por exemplo, alguém calculou o efeito sobre o aquecimento global dos filmes, livros e programas sobre o aquecimento global?

Finalmente, a própria reprovação do sistema manifesta o apoio e adesão implícitos que os inimigos lhe têm. De facto, o único mal da pobreza e poluição é que limitam o capitalismo. Os censores pretendem um sistema sustentável para que os pobres e as gerações futuras vivam como vivem os ricos. No fundo eles querem mais capitalismo, não menos.

Enquanto zurzem os limites do sistema, os críticos populares passam ao lado dos reais defeitos. O mal do capitalismo está na atitude, não no mecanismo. A falha é o egoísmo, não a pobreza, o hedonismo, não a poluição. O real drama actual é que o sucesso e consumo embrulham as pessoas numa ânsia de ambição, despesa e carreira que desumaniza e destrói. O mal do capitalismo é que as pessoas são apanhadas num enredo de êxito e sucesso que arruina e anula a personalidade, para depois não dar o êxito e sucesso.

Motivadas pela publicidade e ideologia, embriagadas pela moda e opinião pública, as pessoas vivem ansiosamente em busca de sonhos, projectos e realização pessoal. Mesmo quando os atingem, a satisfação exige sempre mais. Além de mesquinhez, gera infelicidade. Entretanto cortam-se relações e amizades, perdem-se tradições e equilíbrios, sacrifica-se família e amor, espiritualidade e meditação. O tacanho homem capitalista não conhece a paciência, modéstia, humildade, castidade, valor do sofrimento, espírito de sacrifício. E critica o capitalismo.

O supremo paradoxo é que a única salvação do capitalismo está precisamente nos seus limites. Ao embater na ecologia e na indigência, o sonho capitalista é chamado à realidade. A natureza e a comunidade mostram-nos que somos humanos, vencendo a terrível tentação capitalista da omnipotência tecnológica.

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