Inseguros e Revoltados

NUNO ROGEIRO   SÁBADO   09.07.17

Infelizmente, chegou a altura de abrir a torneira da indignação. É preciso falar claro dos últimos incidentes graves que afectam o corpo nacional. Até hoje temíamos pelos nossos bens. Agora tememos pelas vidas. Mas há forças suficientes para reagir. Não as minimizem, senhores barões e ministros.

O furto de dezenas de armas anticarro (anti-tanque) M72 LAW é o mais grave de toda a história da Aliança Atlântica. Sem exagero. Há circunstâncias agravantes, e nenhuma atenuante.

As agravantes:
*O facto de ter sido minimizado, ou ignorado, nos comunicados oficiais portugueses, que se tratava de armamento completo e pronto a usar. Uma fonte NATO chegou a perguntar-me se "eram 44 foguetes e um lançador, ou 44 lançadores com igual número de foguetes". São 44 lançadores municiados.
*O facto de se tratar de armamento particularmente letal, voltado para a destruição maciça, e não para meros actos de crime convencional.

*O facto de ser armamento de uso relativamente simples, ligeiro (2,5 quilos), de pequenas dimensões (88 centímetros, quando expandido para o disparo), fácil de dissimular (por exemplo em estojos de material óptico, de arquitectura ou pintura e desenho), e que se sabe, pelos relatórios internacionais de informações, estar a ser activamente procurado por "compradores" e "mediadores" da Al Qaeda (que usou um sistema parecido na operação contra o Charlie Hebdo) e do Daesh- "aleamaliat al’ajnabia", o misterioso ramo externo do Dito Estado Dito Islâmico.

*O facto de o foguete de 66 mm possuir um alcance entre 200 e mil metros, conforme os modelos, e poder perfurar vários tipos de chapa e blindagem ligeira, e ainda diversas superfícies construídas, incluindo de betão. 
*O facto de ter sido passada a mensagem oficial de que se tratava de um roubo grave de granadas e munições de pistola, nunca se salientando o furto principal. 

*O facto de se tratar de uma das zonas mais militarizadas de Portugal, se contarmos o polígono que vai de Tancos a Santa Margarida, e que inclui todas as especialidades do exército de terra, e ainda as duas brigadas operacionais do mesmo, geralmente consignadas à Aliança Atlântica.

*O facto de o furto ter revelado a debilidade da segurança de instalações militares sensíveis, e de poder ter redundado num dano ainda maior, se os ladrões fossem também sabotadores. 
*O facto de tudo ter sido pintado em tons ainda mais negros pela desinformação internacional, com o New York Times a titular "Ataque ousado contra base militar portuguesa", adicionando ao tom terceiro-mundista da história a menção falsa de que se tratou de um "assalto diurno".

*O facto de a recuperação internacional de Portugal viver essencialmente do semblante de sociedade pacífica, segura, tranquila, uma espécie de refúgio para os males do mundo. Um acontecimento desta dimensão vai ao arrepio de toda essa imagem, em parte real, em parte laboriosamente construída.

*O facto de, ao furto das armas antitanque, se adicionar a grave subtração de 264 cargas explosivas plásticas C-4 (PE4A), outra vez um dos elementos favoritos dos bandos terroristas conhecidos.

*O facto de vivermos agora com o credo na boca, à espera de que não aconteça um acto violento com estes equipamentos, algures na Europa e no resto do mundo. Nada disto é comparável ao uso de armamento português em guerras e golpes distantes, equipamento esse subtraído não à soberania de Lisboa, mas aos regimes a quem vendemos essas armas.

Não há atenuantes, a não ser a decrepitude, desmoralização, castração e humilhação, em vagas sucessivas, do meio castrense, onde os muitos operacionais rangem os dentes de fúria face a tudo o que lhes é imposto, ou por poderes políticos irresponsáveis, ou por burocratas fardados com medo da própria sombra.
Não há atenuantes em outros furtos internacionais no âmbito NATO, sendo triste que qualquer entidade se refugie nesse cosi fan tutte irrelevante e mentiroso, como quem diz: "é mau, mas é geral".
 
Os factos:
*A única subtração de grandes dimensões deu-se em França, em 1981, no Centro de Mobilização de Foix, com o furto de 100 pistolas-metralhadoras e 4 metralhadoras.

*Entre 2006 e 2011, o Reino Unido deixou que se evaporassem 30 espingardas e 58 pistolas. 

*Do depósito de munições de Miramas (SIMU), na Provença (Junho 2015), desapareceram 180 detonadores, 10 explosivos plásticos e 40 granadas ofensivas, uma pequena parcela do que foi subtraído em Portugal.

*Do centro da Reserva do Exército dos EUA Lincoln Stoddard, em Worchester, Massachussetts (Novembro 2015), desapareceram 16 espingardas e pistolas, destinadas a coleccionadores e caçadores. 

*Da sala de armas da Panzer Kaserne, em Böblingen (Julho 2016), faltaram 12 espingardas e revólveres, de colecção e destinadas à caça. Penso que é o incidente comparado por um ministro a Tancos, como sendo "o roubo de Estugarda, que se consegue detectar por uma busca Google". Francamente. 
 
*Da Base Aérea 125 de Istres, em França, em Setembro de 2016, desapareceram 4 pistolas.

*Em Verpillière, França, soldados de infantaria que almoçavam num McDonalds esqueceram-se de duas espingardas FAMAS, em Fevereiro de 2017. Um incidente semelhante deu-se com um carro de combate alemão, em Munster. 

*Em Abril de 2017, no depósito geral do exército eslovaco, em Trencin-Kubra, desapareceram 8 granadas ofensivas e 11 foguetes para RPG-75 (homólogo do LAW), mas sem lançadores, o que faz toda a diferença em relação ao caso português.
Não precisávamos disto, depois das dúvidas sobre quem deixou partir dezenas de concidadãos para a Estrada da Morte, responsabilidade a apurar pelo MP de Coimbra. 


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