150 anos depois ainda somos pela vida?

DOMINGOS FREIRE ANDRADE      OBSERVADOR        03.07.17 
Em 2017, ano em que se discute a legalização da eutanásia e se celebram os 150 anos da abolição da pena de morte e os 10 da legalização do aborto, qual é o exemplo que a nossa sociedade quer seguir?
No dia 1 de Julho de 1867, foi publicada uma carta de lei que aboliu a pena de morte em território nacional. Nesse dia, Portugal foi pioneiro na defesa dos direitos humanos, consagrando o direito à vida e à dignidade da pessoa humana como um corolário do estado de direito democrático e centro do nosso ordenamento jurídico. Esse foi um marco histórico da civilização ocidental que instituiu a vida humana como um direito fundamental inviolável.
Esta revolucionária medida Lusa acabou por se propagar até abranger todo o continente Europeu. Assim, no dia 28 de Abril de 1983 foi celebrado, pelos 47 países da grande Europa, o protocolo n.º 6 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no qual a pena de morte foi abolida e proibida em toda a Europa.
Celebrar o 150.º aniversário da data em que Portugal indicou ao mundo o caminho da defesa dos direitos humanos deve ser um motivo de enorme orgulho para todos os Portugueses. A abolição da pena de morte é expressão máxima da tolerância numa sociedade. É uma demonstração de enorme confiança no próximo e no sistema de justiça. É a crença de que todo e qualquer cidadão poderá corrigir-se e ser reintegrado na comunidade, independentemente dos crimes que possa ter cometido. A abolição da pena de morte, representa em si a oficialização da cultura do perdão.
Passados 150 anos desse feito cabe à sociedade portuguesa perguntar-se se tem estado à altura desse feito bem como se tem sabido honrar este magnifico legado de defesa dos direitos humanos.
Infelizmente, parece-me que a resposta é evidentemente negativa. Em 2007, a sociedade portuguesa celebrou os 140 anos da abolição da pena de morte com uma medida que representa um gravíssimo retrocesso civilizacional, onde a cultura da vida foi substituída por uma cultura de morte. A legalização do aborto foi a pior forma possível de celebrar o marco histórico na defesa da vida humana conquistado 140 anos antes. Se em 1867 Portugal foi pioneira na defesa dos direitos humanos, em 2007 destacou-se precisamente pelos motivos contrários.
Em 1867, Portugal decidiu – e bem – que nem o maior criminoso deve ser condenado à morte. No entanto, em 2007 ao legalizar o aborto, permitiu que o ser mais frágil e indefeso da sociedade o fosse. Note-se que a legalização do aborto é em todos os seus aspectos bem mais injusta e atentatória dos direitos humanos do que a inaceitável pena de morte. Nos países em que é permitida a pena de morte, existem normalmente dois pressupostos para que esta seja aplicada. Primeiro, que tenha sido praticado um crime. Segundo, que exista um processo penal que conduza a essa condenação. Ora, no caso das pessoas vítimas de aborto podemos constatar que estas não só não praticaram nenhum crime, como não tiveram direito a um processo justo e equitativo, estando somente entregues ao arbítrio da sua progenitora. Podemos por isso dizer que assim como a abolição da pena de morte é expressão da tolerância da sociedade para com um criminoso, a legalização do aborto consiste numa tremenda intolerância para com o direito a nascer.
Desta forma, constatamos que a lei do aborto vem colocar em causa a defesa dos direitos humanos assim como toda a sustentabilidade do ordenamento jurídico nacional, que até esse dia apresentava enorme coerência na defesa da vida humana e da sua dignidade como centro da nossa sociedade.
Em 2017, ano em que se discute a legalização da eutanásia e se celebram os 150 anos da abolição da pena de morte e os 10 da legalização do aborto, qual é o exemplo que a sociedade portuguesa quer seguir?
Passados 150 anos ainda somos pela vida? Esta é uma pergunta a que todos somos chamados a responder. Em especial, os deputados à Assembleia da República e o Presidente da República que irão definir a forma como a sociedade portuguesa se posicionará quanto ao mais básico e elementar direito humano, o direito à vida. Estarão os nossos representantes à altura do legado histórico de Portugal na defesa dos direitos humanos?
Advogado-Estagiário, membro da Direcção da Associação dos Juristas Católicos

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