As paróquias tal como existem, têm os dias contados?
ÂNGELA ROQUE RR ONLINE 10.07.17
Tiago Freitas é de Braga, uma arquidiocese com 551 paróquias, onde a falta de padres começa a ser um problema, mas onde já se procuram soluções. Este sacerdote dedicou a sua tese de doutoramento a estas questões. Intitula-se “Colégio de Paróquias – um proto-modelo crítico para a paróquia da Europa Ocidental em tempo de mobilidade”, obteve recentemente classificação máxima na Pontifícia Universidade Lateranse, em Roma, e com ela o seu autor espera conseguir ajudar a Igreja portuguesa.
Na tese Tiago Freitas defende que tem de se repensar o próprio conceito de paróquia, que já não pode ser, como no século XVI, uma “estrutura estática” e “territorial”, com tudo centralizado no pároco, mas ter uma “gestão colegial”, com tarefas e serviços partilhados com leigos, que devem ser mais comprometidos e ter mais formação.
Em entrevista à Renascença, o chefe do gabinete episcopal da arquidiocese de Braga, e director do Auditório Vita, explica o que o levou a fazer esta tese, e porque razão considera que o modelo actual de paróquia está desadequado.
É por haver menos padres que o actual modelo de paróquia está desactualizado?
Está desadequado, por várias razões, não simplesmente por causa da falta de sacerdotes. Porque na prática, se olhássemos para o Concílio Vaticano II, o papel dos leigos já devia ter sido promovido há mais tempo de modo efectivo, mas a verdade é que a falta de sacerdotes tem sido um factor determinante e que tem levado várias dioceses a repensarem a sua organização. E a diocese de Braga não foge a essa regra. Por ano falecem aproximadamente 15 sacerdotes e são ordenados em média quatro ou cinco, portanto há um défice de quase 10 sacerdotes. Quando temos padres com cinco e seis paróquias, e mais para o sul do país até com 10 paróquias, e com a estrutura clássica de paróquias, isto é, todas elas com um conselho económico, um conselho pastoral, com os seus catequistas, sendo essas paróquias centradas grande parte no trabalho do sacerdote, ter 10 reuniões de conselhos económicos, ou 10 disto e 10 daquilo, isso já actualmente torna inviável o trabalho do sacerdote, quanto mais daqui a 10 ou 20 anos. Olhando a médio prazo, há a necessidade de repensar como é que serão as comunidades cristãs no futuro, e como é que nós poderemos dar resposta a essas necessidades.
Na sua tese crítica várias coisas…
A crítica de fundo é à inadequação do modelo actual de paróquia, que remonta quase ao concílio de Trento, século XV, e que foi pensado para um contexto cultural e eclesial muito diferente daquele que é o nosso, com uma paróquia predominantemente territorial, sedentária, onde era um padre com uma paróquia e o seu povo, e a nível social e cultural não havia o que há hoje, com a revolução dos transportes e comunicações, uma nova mobilidade a vários níveis. Hoje temos cristãos que dialogam com os não crentes, com gente que mesmo sendo católica procura outras formas de espiritualidade, e até outra religiões, e portanto a primeira razão pela qual este modelo é inadequado é porque o próprio contexto cultural mudou, e não simplesmente por causa da falta de sacerdotes.
Boa parte das dioceses, por via de não terem ainda ideias claras para onde caminhar e que modelo adoptar, o que têm vindo a fazer é, no fundo, protelar esta decisão de mudança de modelo, tentando prolongar ao máximo aquilo que é possível com este modelo clássico, tridentino, de paróquia.
Porque é que critica o modelo das Unidades Pastorais?
Esse modelo consiste em colocar várias paróquias a trabalhar nalguns sectores em conjunto. A crítica que eu faço prende-se com o facto desse trabalho de sinergias ser meramente executado para determinados serviços ou momentos, como a formação de pais ou padrinhos, mas cada paróquia conserva a sua autonomia. Portanto, é um passo em frente, seguramente, em relação ao modelo clássico, mas não ousado o suficiente. Por exemplo, se uma paróquia está a necessitar de ajuda económica, porque está a construir uma Igreja, ou não tem um organista ou uma catequista, as outras paróquias não vão ao seu encontro, cada uma trata de si. É, de algum modo, trair até o próprio conceito de unidade.
Que novo modelo de paróquia é que propõe?
O modelo que proponho chama-se um Colégio de Paróquias, e é determinante cada uma das palavras: colégio, porque significa uma verdadeira sinergia e uma nova identidade de paróquia, mas também o modo de governar essa paróquia, que é num estilo colegial. Depois, o que é que se entende por paróquia? O conceito original de ‘paróquia’ significa "lugar de proximidade", e o pároco é aquele que deve estar próximo das pessoas, e portanto para mim a paróquia, mais do que aquela comunidade circunscrita num território sobre o governo de um pároco, são todas aquelas realidades humanas onde a Igreja deve estar presente. Por exemplo, para mim um hospital, ou uma escola, ou um lugar de culto, são todos eles paróquias, porque são realidades onde a Igreja deve estar presente e deve estar próxima.
O que é que para si seria mais urgente fazer?
Em primeiro lugar repensarmos aquilo que achamos que é essencial, o estruturante na paróquia. Uma das coisas que proponho é que mesmo a nível do governo da paróquia, que está neste momento entregue exclusivamente ao sacerdote…. considero que o governar não é algo exclusivo nem sequer identificativo do sacerdote. Aquilo que é específico do sacerdote é presidir aos conselhos, à eucaristia, e portanto proponho um modelo mais colegial de governo da paróquia.
Nós temos alguns estudos que fizemos na arquidiocese de Braga onde verificámos que quase 50 a 60 por cento do tempo útil dos sacerdotes é dispendido em coisas de tipo administrativo, na gestão de IPSS ou de outras realidades.
Trabalhos que podem ser entregues a outras pessoas…
Precisamente, dando tempo para que o sacerdote faça aquilo que é próprio da sua identidade.
Inspirou-se também nalgum modelo que já esteja em implementação na Europa, por exemplo?
Não só na Europa. Tive oportunidade de viajar um pouco e principalmente na América Latina, no Brasil, tive oportunidade de conhecer as comunidades eclesiais de base, onde o líder da comunidade é um leigo e o presbítero visita essa comunidade duas, três vezes ao ano, até porque são muitas e muito dispersas. Serviu-me também de inspiração um outro modelo que existe em Itália, chamado Células Paroquiais, que prevê que a paróquia seja constituída com base em pequenos grupos domésticos, de 5/10 pessoas que se reúnem em casa para rezar a Palavra de Deus, para partilhar a fé. Com esse das Unidades Pastorais, foram três modelos que me inspiraram.
Isto exige católicos mais convictos e mais formados?
Sim. Pressupõe formação teológico-pastoral, pressupõe também a decisão de quererem exercer esse ministério por um determinado período de tempo, estável, nem que seja três anos, seis anos, e pressupõe também que genericamente os cristãos estejam conscientes daquilo em que acreditam. Isto é, o cristianismo de amanhã não será compatível com meras tradições inconsequentes, ou sem consciência. O nós nos confrontarmos com a não crença, o confronto com outras religiões ou outras formas de espiritualidade, temos cada vez mais de estar seguros daquilo em que nós acreditamos e de termos condições para dialogar com estes novos interlocutores.
Já lhe disseram que isto é demasiado revolucionário para ser aplicado, ou pelo contrário têm-lhe dado força e incentivado as suas propostas?
O primeiro a esfriar sou eu... Isto é, sei que é possível caminharmos para aqui, mas sei ao mesmo tempo que será um processo longo. Temos que ter a coragem de pensar a 10 ou 20 anos, porque é preciso criar uma escola de ministérios e dar formação às pessoas. Quando falamos em mudar estruturas é importante escutar as bases e fazer com que as pessoas sintam que são parte integrante na transformação, e que isto não é simplesmente uma norma emitida pelo responsável máximo da diocese, que é o bispo. E é necessário também repensar a formação dos sacerdotes, nos seminários, para estarem prontos para esta nova realidade, este novo modo de agir.
A ser uma revolução, será uma revolução lenta?
Necessariamente lenta, mas não deixa de ser uma mudança grande. Alguns sacerdotes, colegas, com quem fui partilhando ao longo deste tempo, não acreditam, ou acham que vai ser muito difícil. Sim, será difícil, mas acho que será inevitável. É preferível tomarmos a dianteira e iniciarmos este trabalho de um modo sólido, do que ser depois a própria realidade a obrigar-nos a mudar. E aí sim, a mudança será muito mais penosa do que fazendo as coisas de um modo programado.
Aquilo que eu escrevi em certa medida são linhas orientadoras, são princípios base para poderem ser debatidos e reflectidos, e no fundo encarnados em cada uma das realidades, porque não foi pensado exclusivamente para a diocese de Braga, mas para Portugal. E portanto, têm que ser princípios suficientemente elásticos para que outras dioceses possam trabalhá-los. Há abertura, mas também há receios e perplexidades, porque isso obriga-nos, mesmo a nós sacerdotes, a repensar o nosso próprio ministério e o modo como estamos na paróquia, e a termos uma abertura efectiva aos trabalho dos leigos.
Já houve interesse da parte de outras dioceses, por exemplo?
Sim, porque também se foi sabendo que estava a trabalhar este tema. Já conversei com alguns bispos, ao longo do tempo já fui também partilhando algumas ideias, e assim que fôr publicada a tese também a darei a conhecer. E algumas dioceses já pediram mesmo que fosse lá para apresentar aquilo que proponho.
Comentários