Os limites da emergência

Público 2012-04-10 Pedro Lomba

Éverdade que um Estado que precisou de assistência externa para continuar a cumprir as suas obrigações não pode ser considerado normal. A presença contínua dos burocratas internacionais na nossa política inaugurou na prática um período de excepção baseado em austeridade, sacrifícios e aceleração das reformas. Tudo isso justifica maior "liberdade" do Governo com o objectivo de repor alguma sanidade financeira. Precisamente, também impõe maior vigilância colectiva sobre essa "liberdade" governamental.

Este estado transitório não significa, nem pode significar, que os nossos governantes comecem a manobrar numa zona cinzenta, aceitando que qualquer justificação serve para decisões políticas que não tomariam em circunstâncias normais. O caso da suspensão furtiva das reformas antecipadas da Segurança Social é um bom exemplo.

Aconteceu que o Governo suspendeu as reformas antecipadas da Segurança Social praticamente em segredo. Decidido a justificar a medida, Passos Coelho afirmou em Moçambique que a suspensão foi firmada sem conhecimento público para que não houvesse um recurso anormal às reformas. E comparou a decisão com a desvalorização da moeda. "É um bocadinho como, quando se tinha moeda própria, fazer a desvalorização da moeda. Tem de se anunciar a medida quando os mercados estão fechados", referiu Passos Coelho.

Não, esta suspensão furtiva não é um "bocadinho" como a desvalorização da moeda. Nem pode ser apresentada nesses termos, porque as responsabilidades do Estado são muito diferentes num caso e noutro. Quando os governos desvalorizavam a moeda, o anúncio dessa decisão faria com que toda a gente tentasse libertar-se dela, trocando-a por outros activos cujo preço subiria fatalmente em relação à moeda nacional. Daí poderia resultar uma desvalorização superior ao pretendido.

Percebe-se que a intenção do Governo com a suspensão-surpresa era contrariar o mesmo comportamento racional de quem iria correr em massa às reformas antecipadas antes de a torneira fechar.

Só que a analogia é desastrada, quando se compara as expectativas dos agentes nos mercados com as expectativas e os direitos das pessoas sobre as suas pensões. Não foram os portugueses que descontaram para a Segurança Social que aprovaram a possibilidade de anteciparem a sua reforma. Podemos ou não achar a reforma antecipada um direito bizantino - eu tenho dificuldade em compreender reformados de 55 anos -, mas a verdade é que esse direito existe, foi com ele que as pessoas contavam e, ainda que seja necessário revê-lo, isso não pode ser feito à sorrelfa, sem ao menos conceder aos destinatários o tempo adequado para decidirem o que fazer.

Qualquer governo que pretendesse, por compreensíveis razões orçamentais, alterar este estado de coisas teria sempre que suportar o "risco" de um aumento exponencial dos pedidos de reformas. Esse seria, como disse, um risco que o governo teria de interiorizar, seria um risco natural, podemos mesmo dizer "compensatório", mas pelo menos o governo estaria a agir com lisura e transparência. Uma decisão-surpresa é que só pode ser inaceitável para qualquer pessoa de boa-fé. Coloquemo-nos na pele destas pessoas. Sobretudo sabendo que o Governo nunca faria o mesmo, se fossem outros os privados e os contratos.

Governar um povo em emergência não pode ser governá-lo pelas costas.

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