Uma festa de arromba

Público 2012-04-18 Carlos Fiolhais
Desmentindo o óbvio, sem dar suficiente atenção a números, a ex-ministra lá foi fazendo o elogio do fausto

Festa é excesso. Eu já suspeitava que o dinheiro nos cofres públicos tinha acabado não só devido à crise internacional mas também devido à incapacidade governativa de gestão racional dos recursos existentes. Suspeitava que havia gastos excessivos. Foi por isso que acreditei na confirmação que veio da ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, quando afirmou na Comissão Parlamentar de Educação: "O programa da Parque Escolar foi uma festa para as escolas, para os alunos, para a arquitectura, para a engenharia, para o emprego e para a economia."

A derrapagem bateu todos os recordes: em 2007, José Sócrates, acolitado pela ministra, anunciou que 332 escolas iam ser requalificadas, com um custo médio de 2,8 milhões de euros por escola. Passados três anos, no Relatório de Contas da empresa Parque Escolar, o custo médio por escola tinha aumentado para 15,5 milhões, isto é, mais de 440% (acresce que muito menos escolas foram intervencionadas). A extraordinária derrapagem da Casa da Música no Porto e de outras obras públicas mais antigas não consegue competir com a sua rechonchuda "irmã" mais nova. Desmentindo o óbvio, sem dar suficiente atenção a números, a ex-ministra lá foi fazendo o elogio do fausto ("o que é barato, às vezes, sai caro") e criticando essa formalidade, para ela aparentemente inútil, de ter de haver concursos públicos e vistos do Tribunal de Contas antes de qualquer empreitada paga com o nosso dinheiro ("nem sempre a transparência é convergente com o interesse público"). Ela própria tinha achado o preço certo e tinha dado o visto. Sócrates estava dentro dos planos da festa, tendo-os abençoado, mas a nós, cidadãos contribuintes, pedia-se e pede-se apenas que aplaudamos o grande arraial e o lauto fogo-de-artifício.

Se eu tenho alguma coisa contra festas? Em princípio nada, até gosto de som e luz. E gosto, claro, de escolas bonitas e confortáveis. Acontece simplesmente que, neste caso, sinto que fui eu quem pagou a festa, que outros encomendaram, escolhendo a seu bel-prazer os pirotécnicos, o foguetório e os lugares da rebentação. Fomos todos nós, hoje espoliados dos subsídios de férias e de Natal e confusos quanto à possibilidade de reforma atempada, que pagámos.

No rescaldo da festa, Nuno Crato, o actual ministro da Educação e Ciência, tem uma herança de dívida. Como encontrou os cofres ministeriais arrombados, tem de ver com muito rigor as contas para rendibilizar o escasso orçamento. Se alguma experiência lhe pode valer é a de vir de uma missão de reparação de cofres arrombados à frente do Tagus Park, em Oeiras. Na altura, quem podia festejava. Convenhamos que, com ou sem experiência, não é fácil gerir um ministério que foi financeiramente implodido pela Parque Escolar e pelo Plano Tecnológico (outra festa!).

O ministro vai decerto poupar nos candeeiros de design e nos Magalhães. Mas há coisas em que decididamente não pode poupar. Não pode poupar no alento a transmitir às escolas, em especial na confiança nos professores e no encorajamento aos alunos. Não pode poupar na mensagem a todos os cidadãos de que é possível subir os níveis da nossa tão depauperada educação. Afinal, a educaçãoé muito mais do que edifícios dispendiosos ecomputadores de último grito e, nas escolas, há coisas que não custam um cêntimo, mas sim vontade e esforço. Eu sei que os tempos não estão para muitos ânimos. Os nossos bolsos estão vazios como os cofres do Estado e não antevemos quando uns e outros vão começar a encher. Mas o pior de tudo seria se os tempos fossem de completo desânimo. Há razões para ter alguma esperança na recuperação do défice educativo. A recente reforma curricular oferece a professores e alunos a possibilidade de se concentrarem no essencial, que é ensinar e aprender, e serem avaliados por isso. O recente anúncio de que as escolas terão liberdade não só de escolher os horários e algumas disciplinas, mas também de constituir as turmas da maneira que acharem mais adequada, cria fundadas expectativas de que muita coisa poderá ser alterada nas salas de aula com resultados que interessa apurar. Espera-se que o desmesurado monolitismo do ministério dê lugar a autonomia e responsabilização das escolas. A mudança pode não ser fácil, mas o nosso sistema de ensino, centralizado e uniforme, tem, de facto, agravado as desigualdades, condenando os mais desfavorecidos à sua sorte. É hora de mudar.

O ministro não pode poupar na democracia. Num país democrático, as questões do ensino e da aprendizagem não podem ser propriedade exclusiva de um ministério, onde alguém decide fazer uma grande festa sem prestar contas a ninguém, são também e sobretudo dos professores e dos alunos e dependem do seu trabalho no dia-a-dia. E são das famílias. São afinal de todos nós.

Comentários

Anónimo disse…
A isto é que se chama uma péssima gestão de cima a baixo! E, depois, ainda há quem se esqueça de quem foi o culpado do estado miserável em que o país ficou. O "dito cujo" (Sócrates, para quem tenha curta memória) recreia-se, actualmente, em Paris, à custa do que nos roubou, numa vida regalada e luxuosa de "estudante"! Lurdes R., de má memória, igual a si própria, gaba-se de ter esbanjado dinheiro para fazer a tal "festa de arromba" nas escolas, deixando a factura para outros pagarem. Exactamente como se gabou de ter "perdido os professores, mas ganhado o país". Acertou na 1ª, errou na 2ª. Afinal, perdeu ambos! Continua, porém, na linha de sempre, encarcerada num autismo e desfaçatez impressionantes! - M. T. C.

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