Uma história portuguesa

Público 2011-06-18  Vasco Pulido Valente

Numa altura em que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas se preparam para pedir ao país sacrifícios sem precedente, deviam olhar de quando em quando para esse mesmo país como ele na realidade é. E o que é não anima ninguém. Há uma história, em particular, que merecia meditação. O Centro de Estudos Judiciários (o CEJ), que foi fundado para formar juízes (que são um poder soberano) e magistrados do Magistério Público, descobriu que 137 candidatos tinham copiado num exame. Isto, que em outro qualquer sítio do mundo arrastaria a condenação e a vergonha de uma escola primária, não pareceu comover particularmente os directores do CEJ. Depois de maduras reflexões, chegaram estes cavalheiros à conclusão que a melhor saída para um embaraço tão comprometedor era "passar" os 137 prevaricantes com dez. Não queriam, segundo consta, que eles por acaso ganhassem fama de "malandros".

Se Portugal se levasse a sério, como o levam a sério na oratória patriótica, outras soluções seriam evidentes. Na medida em que, para qualquer pessoa de carácter, copiar num exame constitui um roubo e uma fraude, o CEJ estava estritamente obrigado a promover a respectiva expulsão e a garantir que nenhum deles jamais poria um pé num tribunal. Mas, se a benevolência prevalecesse, como costuma prevalecer em Portugal, a repetição do exame, como propôs Boaventura Sousa Santos, presidente do Observatório da Justiça (bem gostava de saber o que por lá se observa), sempre abria uma escapatória, se não muito digna, pelo menos discreta. Infelizmente, até agora, a CEJ não marcou um novo exame. Espera por quê?

Espera, como é óbvio, que o mundo inteiro se pronuncie. Alguns dos 137 "copiadores" já disseram que as circunstâncias (a informalidade da ocasião, a conversa livre e a "ausência de acompanhamento da prova") convidavam à cópia. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), condenando o incidente, exige explicações pormenorizadas de um acto manifestamente sem explicação ou desculpa. Como, de resto, o Sindicato dos Magistrados do Magistério Público, para o qual a nota única (o célebre 10) "mancha a honra de todos" (e, de facto, não "mancha"?). O caso entretanto subiu ao Conselho Superior de Magistratura e chegou ontem ao Supremo Tribunal de Justiça. Não se consegue imaginar maior complicação para um caso tão simples. Pedro Passos Coelho e Paulo Portas começam hoje a reformar o irreformável.

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