Não há duas sem três

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN20110606
Acabaram as desculpas, indecisões, adiamentos: agora só nos resta aplicar o plano de emergência. Não será fácil, mas por acaso até somos especialistas no tema. Este é já o terceiro acordo que assinamos com o FMI. Será que os outros dois nos ensinam alguma coisa?
Existem semelhanças evidentes nos três casos: as dificuldades seguiram-se sempre a fortes crises internacionais. Desta vez foi o colapso global após a falência do Lehman Brothers, nas anteriores os choques do petróleo de 1973 e 1979. Mas, além do impacto externo, a verdadeira causa esteve sempre em enormes erros nacionais.
Antes do primeiro acordo, assinado a 8 de Maio de 1978, foram os excessos revolucionários que arruinaram empresas com reinvindicações insustentáveis: em 1975 os salários reais cresceram 9,4% enquanto o produto caiu 5,1%. Mas, temos de o dizer, no meio da euforia e tumulto as tolices eram inevitáveis. Assim os disparates que forçaram o segundo e terceiro acordos são menos aceitáveis.
Os dois governos Balsemão, de Janeiro de 1981 a Junho de 1983, ignoraram o choque do petróleo e enveredaram por políticas expansionistas precisamente quando o mundo apertava o cinto. O resultado foi um espantoso défice corrente de 13% do PIB que forçou o acordo de 9 de Setembro de 1983.
Passados 25 anos, repetiu-se a proeza, com um acrescento. A balança externa já andava com défices acima dos 9% desde 2005 mas, começada a crise financeira global, o nosso foi o único governo do planeta a ignorar essa situação. Um descarado populismo eleitoral, sem paralelo na história portuguesa, levou a uma subida de salários reais de 5,2% no próprio ano em que a economia contraiu 2,7%, loucura só comparável aos excessos de 1975. Assim José Sócrates conseguiu combinar os erros dos dois buracos anteriores.
Existem porém diferenças importantes. Nos três casos o primeiro-ministro era socialista, mas os acordos iniciais foram solicitados e assinados por governos maioritários de coligação, o primeiro do PS e CDS, o segundo do PS e PSD. Desta terceira vez foi um governo minoritário, para mais demissionário, que o pediu e assumiu.
Mais relevante é a aplicação dos programas, e aí as experiências foram bastante distintas. Muitos dizem hoje que é importante o próximo governo ser de maioria. Essa foi a situação no segundo acordo, em que o bloco central, que assinou o compromisso, aplicou-o durante dois anos até Novembro de 1985. Mas o caso anterior foi muito diferente. Os ministros que se comprometeram com o FMI em 1978 caíram menos de três meses após a assinatura. A execução das medidas ficou a cargo de três breves governos de iniciativa presidencial até Janeiro de 1980, seguidos de um ano da primeira maioria AD. Isto mostra que a imposição externa tem uma dinâmica própria, que ultrapassa a fragilidade dos líderes do momento.
Será o problema actual semelhante aos anteriores ou toda esta comparação é inválida? Existem diferenças importantes. Primeiro no grau de endividamento. Em ambos os primeiros casos a recuperação era de quatro anos de défices. Desta vez são quinze. A consequência é que a dívida externa bruta total, que em 1978 estava em 41% do PIB e em 1983 em 90%, agora anda pelos 238%. Além disso a economia, que apesar dos choques nos anos 1970s e 1980s, tinha alto crescimento potencial, está estagnada há dez anos. Por isso é que o programa de 2011 é muito mais vasto e abrangente, lidando não apenas com pagamentos, mas com a liberalização e reestruturação do tecido produtivo.
Dois factos ainda merecem referência. Primeiro, ao contrário de antes, Portugal é hoje um país rico. Há 25 anos o nível de vida era menos metade do actual. Isto não significa que não existam pobres e grave sofrimento na austeridade, mas que a sociedade reage de forma diferente. Também por isso demorámos tanto tempo a actuar e a dívida subiu tanto mais, porque os credores confiavam em nós.
Finalmente é importante dizer que os dois programas foram êxitos estrondosos, dos melhores da história do FMI. Cabe-nos manter a tradição.

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