Tempo de esperança

Público 2011-06-27 João Carlos Espada
Raramente nas últimas décadas teremos tido entre nós condições mais favoráveis a reformas políticas

O novo director da Fundação Konrad Adenauer para Espanha e Portugal, Thomas Stehling, promoveu em Lisboa, durante o fim-de-semana, a conferência regional anual daquela fundação alemã, dedicada à reflexão estratégica. Foi uma ocasião estimulante que permitiu ouvir sensibilidades diferentes, vindas sobretudo de responsáveis alemães, ingleses e espanhóis.
O tema central do encontro era a "Primavera árabe", mas o centro das interrogações estava sobretudo no futuro do euro. Paulo Portas falou na sessão de abertura, como novo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Foi a sessão mais concorrida, com uma vasta plateia de embaixadores estrangeiros. Esperava-se uma apresentação da nova política externa do novo Governo de Lisboa.
Paulo Portas fez um vigoroso discurso de política externa, e para ouvidos externos, mas não falou sobre a política externa portuguesa. Explicou que não devia fazê-lo, antes da apresentação do programa do novo Governo no Parlamento. Preferiu explicar a nova situação política portuguesa e enumerar as condições que vão permitir a Portugal cumprir o acordo com a troika. A impressão final, na audiência, foi a de que tinha sido convincente.
Portugal tem realmente condições invulgarmente favoráveis para enfrentar a situação financeira - que é invulgarmente desfavorável. Os partidos da nova coligação governamental dispõem de maioria parlamentar confortável e de maioria eleitoral. Existe significativa convergência programática entre os dois partidos. Existe também uma hierarquia eleitoral clara entre eles, o que desincentiva quezílias desnecessárias.
O novo Governo foi constituído em tempo recorde e apresentou caras novas, com sólidos currículos profissionais. Dispõe da confiança do Presidente da República. Mesmo o episódio da não-eleição de Fernando Nobre para a presidência do Parlamento - que poderia ter sido sombrio - foi superado com elegância e acabou por ter um final feliz.
Acresce que o maior partido da oposição foi o promotor e primeiro subscritor do acordo com a troika. A extrema-esquerda sofreu um recuo eleitoral vincado e o Partido Comunista limita-se a resistir no declínio. Por outras palavras, Portugal tem uma esmagadora maioria parlamentar, eleitoral e social favorável à aplicação do acordo internacional de saneamento financeiro.
Raramente, nas últimas décadas - talvez desde os primeiros mandatos da coabitação entre as maiorias absolutas de Mário Soares, em Belém, e de Cavaco Silva, em São Bento -, teremos tido entre nós condições mais favoráveis a reformas políticas. É certo que o desafio é enorme e o risco de saída do euro é simplesmente brutal. Mas Portugal teve já duas experiências de sucesso com o FMI, e os portugueses estão obviamente convencidos de que não há alternativa ao plano de reformas.
É agora imprescindível que o novo Governo não interprete mal estas boas notícias. Elas simplesmente representam uma enorme responsabilidade para o executivo. Não há desculpas para falhar. E o preço do fracasso seria colossal.
É imperioso que a coligação mantenha os boys fora dos lugares de controlo e que os apetites das máquinas partidárias sejam implacavelmente dominados. As habituais clientelas, públicas e privadas, têm de ser submetidas a uma dose maciça de concorrência. E o queixume terceiro-mundista contra o capitalismo deve dar lugar a um clima de confiança na empresa livre, na poupança e no investimento. Talvez não seja impossível. Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa; titular da cátedra European Parliament/Bronislaw Geremek in European Civilization no Colégio da Europa, Campus de Natolin, Varsóvia

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