Reflexão
Público 2011-06-04 Vasco Pulido Valente
Infelizmente, para reflectir é preciso matéria de reflexão, porque o Estado não nos quer a reflectir sobre Kant, sobre Hegel ou sobre a segunda lei da termodinâmica. Nem, sendo laico, pluralista e modernizador, nos gostaria de ver em oração na igreja da paróquia, sob a vigilância de um padre duvidoso. De maneira nenhuma. O Estado, consciente das suas responsabilidades, deseja que o eleitorado se sente numa cadeira (com a televisão fechada) a pensar e a consultar documentos para decidir com a maior concentração e rigor em quem vai votar. A consulta a um parente ou um amigo é permitida (talvez porque seja difícil de impedir) e também um telefonema ou outro. De qualquer maneira, o ideal era uma conversa solitária e grave com o espírito da pátria e as dores do presente.
Lágrimas não se admitem, excepto no beatífico momento em que a escolha certa surgir do nevoeiro mental em que por aí andamos. Cada entrevista, cada artigo, cada programa tomará então o seu verdadeiro peso e lembraremos com a melancolia do sábio as procissões dos partidos por esta nossa acolhedora terra e sound-bytes das vendedoras de hortaliça dos nossos presuntivos chefes. Verdade que o caminho foi longo, e mais do que longo, cansativo, mas sempre acabámos por chegar. No domingo, reconfortados pelo exercício intelectual da véspera, avançaremos para deitar o papelinho com a tranquilidade dos justos. Só em Portugal se inventaria um processo tão simples para garantir um governo perfeito. Como a história da democracia, de resto, tem provado.
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