“A ETA não foi derrotada, mudou-se para a Catalunha”
FILIPE D' AVILLEZ RR ONLINE 04.05.2018
Jaime Mayor Oreja foi ministro do Interior de Espanha entre 1996 e 2001. Ficou conhecido como “o homem que derrotou a ETA”, mas rejeita o título, tal como rejeita a ideia de que o nacionalismo basco se possa separar do catalão ou do galego.
Durou quase 50 anos, a luta da ETA contra o Estado espanhol e fez mais de 800 mortos. Mas com o desarmamento em 2016 e a dissolução oficial da organização marcada para 5 de maio, próximo sábado, a organização terrorista foi finalmente derrotada.
Ou talvez não.
Jaime Mayor Oreja foi ministro do Interior em Espanha durante cinco anos. Nesse período tomou uma posição mais dura contra a ETA, acabando por quebrar a credibilidade de que a organização gozava. Ficou conhecido como o homem que derrotou a ETA.
Ou talvez não.
É o próprio que rejeita o epíteto. Não é que não tenha sido bem-sucedido na luta política contra aquela organização terrorista. É que a ETA é bem mais do que isso. É uma ideia. E essa persiste.
“Não derrotámos a ETA. Eu muito menos. A ETA é um projeto político de rutura de Espanha, e hoje está presente na Catalunha, mais que nunca, pelo que a ETA não pode ter sido derrotada”, explica o político basco.
“O movimento nacionalista em Espanha não é composto por três partes, basco, catalão e galego. São o mesmo. O que se passa é que cada etapa tem uma vanguarda diferente do movimento. Durante anos a ETA foi a vanguarda do movimento nacionalista, queria romper a Espanha a partir do crime e do assassinato. Agora mudou a vanguarda.”
Nesta conversa com a Renascença, Mayor Oreja deixa claro que Puigdemont e os assassinos da ETA são duas faces da mesma moeda. “Agora a vanguarda é o plano catalão, o plano de Puigdemont, mas o movimento nacionalista é o mesmo. Por isso é errado dizer que o nacionalismo basco está muito bem e que o catalão está muito mal. São a mesma coisa. Ou está bem ou está mal. Se está a avançar a rutura, está mal. Se está a avançar a união, está bem.”
Tal como não é possível distinguir entre nacionalistas bascos e catalães, também não há diferença de fundo entre nacionalistas moderados e radicais, diz o antigo ministro. “No final de contas os nacionalistas e os moderados estavam no movimento nacionalista. Os nacionalistas, os moderados e os radicais, fazem todos parte de um movimento que está obcecado com a fratura de Espanha. Eu sempre fiz uma equação: mais Espanha, menos ETA; menos Espanha, mais ETA.”
Na opinião deste ex-político, que fez carreira ligado ao Partido Popular (PP) e que foi ainda eurodeputado, também o fenómeno Puigdemont já se esgotou, pelo que se pode esperar que haja uma nova mudança de vanguarda em breve.
“Puigdemont está a chegar ao fim, não vai dar mais de si, mas o movimento nacionalista vai apresentar outra estratégia – se não for na Catalunha, será no País Basco ou na Galiza – que irá consistir em tentar tornar legal o que era ilegal, isto é, em legitimar os referendos em Espanha, que significa de alguma forma legitimar a autodeterminação e fazer disso lei. Isso é mais difícil de combater do que Puigdemont.”
Longe de partilhar do otimismo de quem considera a dissolução da ETA uma vitória, Jaime Mayor Oreja considera que a situação só se vai tornar mais complexa. “O movimento nacionalista é um carro sem marcha a trás. Só anda para a frente. A marcha em frente é fruto da inércia, do descontentamento, do mal-estar, da insatisfação. Por isso só anda em frente. À medida que vai avançando, será sempre mais difícil fazer-lhe frente. Isso quer dizer que o cenário seguinte, por ser um carro em andamento, é mais difícil de combater que a etapa anterior.”
E esse cenário seguinte será a legalização do projeto político da ETA. "Devemos separar a organização do projeto político. A respeito da organização, é claro que graças fundamentalmente à atuação das forças e corpos de segurança do Estado, as suas atuações foram controladas, mas a ETA compreendeu que poderia romper a Espanha sem matar. A respeito do projeto, este vê-se fortalecido com o ato que a ETA vai celebrar em França, e a consagração desta transformação, com a metamorfose das suas siglas."
Atualmente Mayor Oreja dedica-se a outro combate, o dos valores, através da organização “Fundación Valores y Sociedade”, a que preside.
Descontente com o que considera ser a tentativa de construir uma nova sociedade obcecada com a destruição dos valores cristãos sobre os quais foi edificada a Europa, o espanhol está a encabeçar a criação de uma plataforma que pretende reunir intelectuais conservadores.
Depois de ter vindo a Lisboa apresentar o projeto aos portugueses que comungam das suas ideias, o grupo já tem a sua primeira reunião agendada para 26 de maio, em Valença.
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