A Senhora veio mesmo

JOÃO CÉSAR DAS NEVES   DN  29.04.17
A única coisa que interessa em Fátima é Nossa Senhora, o que Ela disse e o que Ela fez. Sem a sua presença, Fátima deixa de existir. No entanto, recentes entrevistas de eminentes clérigos parecem dizer que, afinal, a Senhora não esteve lá. Descobriu-se algo de novo ou são mais confusões e mal-entendidos?
A primeira página edição do semanário Expresso na Páscoa, de 14 de Abril, dizia: "É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima." A manchete anunciava a entrevista do professor Anselmo Borges, da Universidade de Coimbra e padre da Sociedade Missionária Portuguesa. Dias depois, a 21, o Público titulava: "Maria não vem do céu por aí abaixo", frase de D. Carlos Azevedo, bispo-delegado do Conselho Pontifício da Cultura no Vaticano e um dos mais respeitados historiadores portugueses da religião. Ao contrário do que possa parecer, não são negações da veracidade das aparições, mas simples reparos técnicos, infelizmente feitos de forma muito imprudente.
Aquilo a que ambos os eclesiásticos se referem é um mero detalhe teórico. Como se tem lido nas missas destes dias pascais, Jesus, após a sua ressurreição, apareceu repetidamente aos discípulos. Não vinha na forma anterior, pois ficava oculto à primeira vista (Lc 24, 16; Jo 20, 14), surgia nas salas com as portas fechadas (Jo 20, 19) ou desaparecia de repente (Lc 24, 31). Apesar disso, tinha um corpo que podia ser tocado (Lc 24, 39; Jo 20, 27), partia o pão (Jo 21, 13; Lc 24, 30) e comia peixe assado (Lc 24, 43; Jo 21, 15). Isto é tecnicamente uma "aparição". Em Fátima, ninguém tocou a Senhora, nem Ela comeu nada. Aliás, se tivesse corpo, toda a gente que ali estava a teria visto, e não apenas as três criancinhas. Tratou-se portanto de uma "visão", algo que se manifesta de forma não física e apenas a algumas pessoas. Esta distinção, usando a "linguagem exacta" e teológica, é muito interessante, mas, dita de forma apressada e sem explicação adequada, gera naturalmente dúvidas e confusões.
Que Nossa Senhora esteve realmente em Fátima sabemo-lo com segurança desde 1930, quando a autoridade competente, o senhor bispo de Leiria, decidiu "declarar como dignas de crédito as visões das crianças na Cova da Iria, freguesia de Fátima, desta diocese, nos dias 13 de maio a outubro de 1917" (carta pastoral de D. José Correia da Silva de 13 de Outubro de 1930). Sobre isto, para os verdadeiros fiéis, não devem restar dúvidas. As opiniões pessoais e interpretações teológicas são muitas, mas não negam este elemento central. No caso destas duas entrevistas, a finalidade não é realmente rejeitar a mensagem de Fátima, embora tenham explicado pouco e mal o que pretendiam realmente dizer.
O padre Borges afirma: "Posso ser um bom católico e não acreditar em Fátima porque não é um dogma", o que é verdade. Mas esquece-se de acrescentar que, depois de tudo o que a Igreja tem afirmado e estabelecido acerca desse fenómeno, o tal "bom católico" teria de ter razões muito fortes e especiais para poder negar aquilo que aconteceu. Um fiel que se limite aos dogmas dificilmente consegue amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
O senhor D. Carlos, por quem tenho grande respeito e admiração, admite o uso da expressão "visão imaginativa" da pergunta da jornalista, mas sem o cuidado de explicar a diferença entre "imaginativa" e "imaginária". Aquilo que aconteceu foi que as crianças viram imagens, tiveram uma "visão imaginativa", o que não significa que imaginaram aquilo que viram, o que seria uma "visão imaginária". Esta explicação teria sido muito oportuna e importante.
Também não ajuda nada dizer: "Há muitos fenómenos de visões. Nós, párocos, conhecemos sempre alguém que nos vem dizer que tem visões. Estes fenómenos são naturais." Isso, mais uma vez, é verdade, mas certamente que não pretende concluir que aquilo que aconteceu em Fátima foi equivalente a uma experiência mística de um paroquiano ou sequer um fenómeno natural. Senão, de onde viriam o milagre do sol, as curas inexplicáveis, as visitas papais e as canonizações?
Nestas entrevistas, e certamente mais vezes nos próximos dias, acontece aquilo que tem sido comum no fenómeno de Fátima desde o princípio: os especialistas tropeçam repetidamente nos obstáculos que eles mesmos criam, enquanto o povo simples e humilde vai directamente ao essencial, sem ligar às teorias. O essencial é que Nossa Senhora esteve e falou em Fátima. Tudo o resto nem precisa de ser dito, porque o povo, mesmo sem conhecer detalhes, sabe bem aquilo que Ela é e quer.
Esta situação, afinal, é uma realidade profundamente evangélica. O Senhor Jesus disse-o abertamente uma vez, quando lamentava a falta de fé das cidades privilegiadas de Corazim, Betsaida e Cafarnaum: "Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque isso foi do teu agrado." (Mt 11, 25-26).

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