20 Centímetros

INÊS TEOTÓNIO PEREIRA  27.05.17   DN

Por mais anos que passem, por mais tratados que assinemos, não há maneira de sermos grandes. Portugal teima em não crescer. Vivemos tipo crianças fascinadas quando se cruzam com qualquer gato pingado que apareça na televisão, com um elogio dos grandes, com ganhar concursos, meu Deus. Adoramos condescendência. Não é mimo, é condescendência. Os meus filhos são assim. Alguns já cresceram, mas os que ainda são crianças são assim. Olham para o mundo de baixo para cima e qualquer figura de autoridade ou popular deixa-os constrangidos. Não querem ser grandes, querem ser reconhecidos. Isso chega-lhes. Acham que qualquer figura pública é importante, é superior, e quando elas se debruçam para lhes dar uma festa ou um autógrafo, coram. Nós fazemos o mesmo com o mundo. Quando o mundo repara em nós, coramos. Ficamos radiantes com uma festa na cabeça, quando nos deixam entrar na sala dos grandes ou jogar à bola com os mais velhos. Crescemos os ditos 20 centímetros que o Presidente tanto glorifica. E o mais estranho é termos orgulho nisso: é que pelo menos não estamos orgulhosamente só, estamos orgulhosamente infantis. Medina bebe chá com a Madonna, Madonna pisa o nosso chão, Centeno é notícia porque alegadamente foi elogiado pelo ministro alemão, Salvador Sobral é herói nacional porque venceu um concurso nunca ganho. Derrubámos os grandes com uma canção. Vinte centímetros porque o mundo sabe quem somos. E gosta. E o mundo gostar é tudo. Na verdade, não queremos ser grandes. Gostávamos, mas não estamos para isso. Ser grande dá chatice, dá trabalho, implica sacrifício, planear, acordar cedo, traz responsabilidades, e Portugal não é desses. Damos uns toques de vez em quando mas não é para se habituarem. Ser grande implica ter turistas e achar que isso é bom para crescer. Mas nós não funcionamos assim: nós queremos ter turismo sem turistas, crescer mas ir para a cama tarde. O "tens de comer sopa para crescer" não resulta com Portugal. Portugal não gosta de sopa de espinafres e prefere ficar pequenino a comê-la. Orgulhosamente pequenino. O cutchi-cutchi do mundo. Chega-nos que os turistas gostem, não é preciso cá ficarem. Chega-nos que Salvador ganhe, não nos passa pela cabeça levar o ensino da música a sério. O ministro alemão comparar Centeno no Ecofin a Ronaldo no futebol é a apoteose total: ele sabe quem são os dois. Madonna escolher Portugal para viver, então, é o êxtase, equivale a uma festinha do Ronaldo na cabeça do meu filho de 9 anos. Por mais anos que passem, não há maneira de crescermos. Nem 20, nem 2 centímetros.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António